Como fazer um bom projeto de acústica para hospital?
O ambiente hospitalar deve ser capaz de produzir condições favoráveis para o desenvolvimento de suas atividades, de modo que as edificações atendam a determinados critérios de funcionalidade, acessibilidade, higiene e conforto. O conforto acústico de ambientes de saúde é um assunto de suma relevância, sendo o silêncio fundamental para a recuperação dos pacientes e para o desempenho e bem-estar de funcionários, frequentemente expostos a situações de estresse.
As fontes sonoras em ambientes hospitalares podem ter origens diversas, como o funcionamento de aparelhos e máquinas (aspiradores, monitores, ventiladores mecânicos, computadores e impressoras), instalações de ar-condicionado e instalações hidráulicas, conversação, circulação de pessoas e equipamentos nos corredores e por ruídos externos à edificação (rodovias, rotas de avião, etc.).
Não se trata apenas de uma questão de incômodo, mas sim de saúde
O ruído está entre as maiores reclamações de pacientes de hospitais. A exposição dos pacientes de ambientes hospitalares ao ruído está associada a vários problemas, tais como a elevação no nível geral de vigilância, aceleração da frequência cardíaca, e aumento dos níveis de estresse e distúrbios do sono [1].
Fonte: The Indian Express [https://indianexpress.com/article/lifestyle/health/icu-to-shut-up-noise-level-2825527/]
A Organização Mundial da Saúde (OMS) trata do ruído como problema de saúde pública, recomendando níveis limites de pressão sonora em hospitais de 35 dB(A) para quartos e apartamentos hospitalares.
Tabela 1 – Níveis limites de ruído, segundo a Organização Mundial da Saúde.
Locais | Nível de ruído
Limite – dB(A) |
Interferência na comunicação – torna difícil a conversa entre duas pessoas, ou dificulta falar no telefone, ou ouvir rádio ou televisão. | 50 |
Risco de perda auditiva – a pessoa exposta pode contrair perda de audição induzida por ruído para exposições de 8 horas diárias. | 75 |
Perturbação do sono – a pessoa não relaxa totalmente durante o sono, não atingindo os estágios mais profundos do sono e reduzindo o tempo. | 30 |
Estresse leve com excitação do sistema nervoso e produção de desconforto acústico. | 55 |
Perda da concentração e do rendimento em tarefas que exijam capacidade de cálculo. | 60 |
Escolas – no interior das salas de aulas. | 30 |
Hospitais – em quartos e apartamentos. | 35 |
Dados obtidos de Bergund e Lindvall (1995) e Bergund, Lindval, Schwela (1999). |
No Brasil, os valores de referência para ambientes hospitalares são determinados pela ABNT NBR 10.152, que define, para o caso de berçários, centros cirúrgicos, consultórios e quartos individuais, os valores entre 35 dB (A), representativo da condição de conforto, e 40 dB (A), limite do nível sonoro “aceitável”. Para enfermarias e quartos coletivos, os valores variam entre 40 dB (A) e 45 dB (A), e para laboratórios e salas de espera, os valores variam entre 45 dB (A) e 50 dB (A). Existem outros ambientes, não citados pela norma, que também deveriam ser tratados, como salas de convívio, refeitórios e cozinhas. Pode ocorrer, muitas vezes, dos níveis de pressão sonora estarem acima dos valores recomendados pela NBR 10.152 e, em casos mais extremos, acima dos limites da norma de saúde ocupacional (NR-15).
Algumas normas internacionais tratam do conforto acústico de ambientes hospitalares com maior assertividade. Em Portugal, o Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios (RRAE) tem por objetivo o conforto acústico de edificações, contribuindo para a melhoria da qualidade do ambiente acústico e para o bem-estar e saúde da população. O RRAE trata de finalidades de uso diversas, dentre as quais, edifícios que se destinam à prestação de serviços hospitalares e similares. Para tais edifícios, são definidos requisitos específicos para determinação dos índices de isolamento ao ruído aéreo de fachadas, isolamento ao ruído aéreo de ambientes internos, isolamento ao ruído de impacto, tempo de reverberação dos ambientes em função da finalidade de uso, e critérios limites para o ruído de equipamentos.
Fonte: Acoustic Bulletin [https://www.acousticbulletin.com/hospitals-noise-sleep-finally-acoustic-standard]
Na Dinamarca, a Sociedade Dinamarquesa de Acústica (DAS) recentemente realizou uma conferência na cidade de Ålborg, onde foi discutida a elaboração de uma norma de acústica específica para ambientes hospitalares, que será publicada ainda este ano [2]. Uma das definições da norma diz respeito ao tempo de reverberação ideal, fixado em 0.6 segundos para quartos coletivos e individuais, salas de exame e corredores de circulação. A elaboração da norma foi motivada por estudos realizados por pesquisadores dinamarqueses, dentre eles um estudo foi capaz de identificar informações importantes sobre a qualidade do sono de pacientes e a relação com a sua recuperação [2]. A pesquisa aponta que o “período” do sono capaz de influenciar positivamente na recuperação de pacientes começa após 5 minutos sem quaisquer alterações ou distúrbios. A média encontrada no estudo, para os ambientes hospitalares avaliados, foi de 6.2 minutos correspondente ao período avaliado de 3 semanas, significando 167 interrupções no sono em um período de 24 horas. Imagine ser acordado 167 vezes!
Qualidade acústica dos espaços – princípios de projeto
Os problemas do ruído em ambientes hospitalares podem ser contornados pela especificação adequada dos materiais e sistemas construtivos, e procedimentos adequados de instalação e execução dos princípios acústicos. A acústica nestes ambientes pode ser tratada desde a análise da implantação do edifício no terreno, propondo uma setorização interna dos ambientes de forma que os usos sensíveis fiquem resguardados das fachadas mais expostas ao ruído urbano. Soluções construtivas devem garantir o desempenho acústico de fachadas ao ruído externo e o isolamento entre ambientes internos.
Além da definição do Índice de Redução Sonora Ponderado (Rw) adequado para as partições entre ambientes, é fundamental o cuidado com todas as junções existentes entre os sistemas de paredes internas/externas, lajes, vigas e pilares. Nestes encontros, devem ser aplicados materiais específicos, como bandas acústicas (fita isolante) e outros isoladores de vibração estrutural, conforme cada caso e necessidade.
Utilizar sistemas de piso flutuante pode atenuar a transmissão do ruído de impacto entre pavimentos contíguos e ainda resguardar equipamentos que exigem baixa vibração, como microscópios e outros sistemas eletrônicos sensíveis. Deve haver uma atenção especial ao tipo de revestimento utilizado, para evitar ruídos específicos, como o ruído gerado pelo impacto da passagem de carrinhos com as juntas do piso. As juntas em geral devem ser eliminadas e os cantos das paredes arredondados para evitar o acúmulo de sujeira.
Com relação aos revestimentos de forros e paredes, a predominância de superfícies rígidas e reflexivas, como cerâmicas, azulejos, Drywall, vidro e alvenarias podem ser prejudiciais a uma ambiente mais confortável sonoramente. Deve-se privilegiar o uso de materiais fonoabsorventes, para controle da energia sonora interna dos locais de circulações, permanência, cirurgia e convívio. No caso de sistemas de forro, existem diversas linhas de forros acústicos especialmente para ambientes de saúde, com tratamentos específicos para inibir a proliferação de fungos e bactérias. Em ambientes com reverberação equilibrada, as pessoas fazem menos esforço para se comunicarem e, consequentemente, diminuem o tom de voz. Além disso, o forro é o local mais fácil de se aplicar uma solução acústica, devido a grande gama de possibilidades de materiais e grande área de aplicação.
Além dos princípios apresentados, também são importantes as soluções de isolamento vibro-acústico de equipamentos, máquinas de ar-condicionado, geradores e exaustores que devem ser tratados antes de estarem em operação para reduzir custos inerentes ao processo e prever problemas de maneira antecipada.
Deve-se lembrar que a acústica de ambientes de saúde não trata apenas de controlar o ruído e deixar o ambiente demasiadamente silenciosos. Atualmente, as inovações em sound design revelam abordagens para melhoria da qualidade sonora de ambientes de saúde. Um exemplo disto é o novo sistema desenvolvido pela empresa britânica Man Made Music, que propõe alterar os sinais sonoros emitidos pelos equipamentos de monitoramento de sinais vitais dos pacientes, como batimentos cardíacos e pressão sanguínea (geralmente alarmes incômodos), para melodias agradáveis.
Fonte: Scott Rudd/courtesy Cooper Hewitt/Smithsonian Design Museum
Segundo Joel Beckerman, fundador da empresa, os alarmes são responsáveis pelo aumento do nível de estresse dos pacientes e, consequentemente, dificultam a recuperação [3]. Ao tornar estes sinais sonoros agradáveis, podem haver melhorias significativas ao bem-estar e a saúde dos pacientes e dos funcionários de ambientes de saúde.
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[1] Hsu, Ryherd, Ackerman, Persson waye, ‘Noise Pollution in Hospitals: Impacts and Patients’, J. Clin. Out. Mgmt. 2012, vol. 19.).
[2] https://www.acousticbulletin.com/hospitals-noise-sleep-finally-acoustic-standard
[3] https://www.fastcompany.com/90171905/hospital-sound-design-can-be-deadly?partner=rss&utm_source=rss&utm_medium=feed&utm_campaign=rss+fastcodesign&utm_content=rss
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