Poluição sonora e direito ao silêncio
São muito comuns os conflitos entre moradores e comerciantes devido ao ruído noturno proveniente de casas noturnas e bares, afetando o bem-estar e qualidade de vida da população residente em seu entorno próximo.
O ruído noturno é comprovadamente relacionado com distúrbios de sono e insônia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que determina o nível de 35 dB (A) para condições ótimas de sono. A OMS alega que níveis de pressão sonora elevados podem comprometer o sono e apresentar-se como críticos para a saúde humana.
Fonte: https://www.ergoflex.co.uk/blog/category/sleep-research/Noise_at_Night_How_to_deal_with_nocturnal_noise_pollution
Os conflitos frequentes entre comerciantes e moradores incomodados pelo barulho nos incentivaram a discutir sobre assunto. E neste artigo vamos comentar sobre esse problema, apresentando leis, normas técnicas e discutindo como a fiscalização do ruído ocorre em diferentes cidades do Brasil.
Como a poluição sonora e o ruído noturno são tratados no Brasil?
Como trazer de volta a harmonia de bairros que compartilham a vida boêmia e a existência de receptores críticos, como residências, hospitais e escolas?
Direito ao silêncio versus liberdade de expressão
A vida noturna e a cultura urbana proporcionam aos indivíduos de uma cidade a possibilidade de vínculos de sociabilidade, sensação de acolhimento e pertencimento à cidade, liberdade de expressão, lazer e qualidade de vida. O artigo 5 da Constituição Federal de 1988 determina: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Além disso, o negócio de bares e restaurantes oferece grande número de empregos. No Brasil este negócio é responsável por gerar cerca de 450 mil novas oportunidades de emprego por ano, segundo dados de 2015 [1].
Por outro lado, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, também determina: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, e essencial à sadia qualidade de vida”. Além disso, a “perturbação do sossego” mediante gritaria, algazarra, abuso de instrumentos musicais, sinais acústicos, dentre outras situações, é considerada crime conforme o artigo 42 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Leis das Contravenções Penais).
Fonte: https://www.metropoles.com/entretenimento/politica-cultural/bares-e-restaurantes-tem-nova-regra-sobre-barulho-para-evitar-conflito
Existe uma relação conflituosa entre o direito ao silêncio e à liberdade de expressão quando avaliamos a configuração do espaço urbano na maioria das cidades brasileiras. O zoneamento urbano, as diretrizes de uso e ocupação do solo, e a ocupação espontânea, muitas vezes levam à coexistência de atividades geradoras de ruído e atividades “sensíveis” ao ruído, como escolas, residências e hospitais. No Brasil, o conflito de usos se agrava pelas características intrínsecas à cultura local, sendo muito comum, no exemplo de bares e casas noturnas, a música ao vivo e a apropriação de espaços ao ar livre como extensão das atividades de lazer. Como a legislação brasileira trata do assunto?
Níveis de pressão sonora máximos toleráveis em função do zoneamento urbano
No Brasil, o controle da poluição sonora é normatizado, em nível federal, pela ABNT NBR 10.151, que apresenta uma tabela classificatória do ruído em função do tipo de zoneamento urbano.
Esta Norma determina, para o caso específico de áreas estritamente residenciais urbanas ou de hospitais ou de escolas, os limites de níveis de pressão sonora de 50 dB (A), para o período diurno, e 45 dB (A) para o período noturno. Os demais tipos de áreas habitadas são definidos como: área de residências rurais, área mista predominantemente residencial, área mista com predominância de atividades comerciais e/ou administrativa, área mista com predominância de atividades culturais, lazer e turismo e área predominantemente industrial. Para entender mais sobre o que é o decibel (dB) e também o que seria o nível de pressão sonora ponderado equivalente, definido nesta norma, recomendamos o nosso Curso de Acústica – Na Prática: Propagação Acústica Externa.
Os valores de referência para ambientes internos de uma edificação, no caso específico de dormitórios residenciais, são determinados pela ABNT NBR 10.152, e variam entre 35 dB (A), valor representativo da condição de conforto, e 40 dB (A), limite do nível sonoro “aceitável” que atualmente, na última versão, foram levemente alterados para serem tornados menos subjetivos. Nota-se que estes valores estão de acordo com o recomendado pela Organização Mundial da Saúde.
Veja mais sobre esta Norma e o que mudou na nova versão no artigo “Conforto Acústico com a NBR 10.152 – O que mudou na norma em 2017”, publicado em 1 de agosto de 2018 no blog Portal Acústica.
Para atendimento aos níveis estabelecidos pela ABNT NBR 10.152 (considerando o cumprimento dos limites determinados pela ABNT NBR 10.151), os critérios de desempenho acústico mínimo de fachadas previstos pela ABNT NBR 15.575 (no caso da sua exigibilidade) devem ser atendidos. No entanto, ocorre, muitas vezes, dos limites determinados pela ABNT NBR 10.151 não serem atendidos e, consequentemente, os limites internos previstos na ABNT NBR 10.152 também serem ultrapassados. Isso do ponto de vista do ouvinte que é potencial reclamante. Agora, se o ruído equivalente de uma região, entenda-se no ambiente externo, se mostrar acima do previsto na normativa NBR 10.151, potencialmente a casa noturna deve ser projetada para evitar o aumento deste nível de pressão sonora já existente, caso contrário, ela pode estar suscetível a fiscalizações. Nestes casos, a fiscalização de estabelecimentos comerciais pode levar a ocorrência de multas e, em casos mais extremos, o seu fechamento.
Fiscalização, multas e fechamento de bares e casas noturnas
A fiscalização pode assumir papel conscientizador, incentivando iniciativas para investimentos na infraestrutura dos estabelecimentos comerciais. Vamos mostrar, a seguir, os programas e incentivos aplicados no Brasil para fiscalização da poluição sonora.
Fonte: https://www.downtoearth.org.in/news/after-bias-row-bombay-hc-judge-brought-back-to-hear-noise-pollution-case-58557
São Paulo
O Programa Silêncio Urbano (PSIU), tem por objetivo a resolução de conflitos entre os cidadãos, além de atender preceitos constitucionais. O programa fiscaliza estabelecimentos comerciais, indústrias, instituições de ensino, templos religiosos, bailes funk e outras atividades semelhantes. A Lei 16.402, de 23 de março de 2016, regulamentada pelo Decreto nº 57.443/16, preconiza no art. 146 a proibição da emissão de ruídos produzidos por quaisquer meios ou por quaisquer espécies, com níveis superiores aos determinados pela legislação federal, estadual ou municipal, prevalecendo a mais restritiva. O artigo 148 da Lei estabelece as penalidades aplicáveis aos infratores, que vão desde a imposição de multas e intimações até o fechamento administrativo com reforço policial.
Veja mais em: http://www.capital.sp.gov.br/cidadao/rua-e-bairro/legislacao/lei-do-psiu
Rio de Janeiro
A fiscalização da poluição sonora atua no controle da emissão de ruídos de atividades industriais, comerciais, sociais, religiosas ou recreativas. A função de combate a este tipo de crime, considerado uma das principais reclamações da população registradas pela Polícia Militar, foi recentemente transferida para a Guarda Municipal a partir do Decreto 43.372 de 30 de junho de 2017, que regulamenta a Lei Municipal nº 6.179 de 22 de maio de 2017, dispondo sobre medidas para o combate eficaz à poluição sonora no Município do Rio de Janeiro e outras providências. Segundo o Decreto, os bares, restaurantes e demais pessoas jurídicas de direito privado que infringirem as normas da Lei 6.179 de 22 de maio de 2017, ficam sujeitas a multas e, em determinados casos, ao fechamento.
Veja mais em: http://smaonline.rio.rj.gov.br/legis_consulta/54144Dec%2043372_2017.pdf
Distrito Federal
Segundo a Lei Distrital nº 4.092 de 2008, poluição sonora é “toda emissão de som que, direta ou indiretamente, seja ofensiva ou nociva à saúde, à segurança e ao bem-estar da coletividade”. Para garantir de forma objetiva e imparcial o atendimento da lei, toda poluição sonora deve ser menor do que os limites apresentados pela Lei. No caso de limites acima do permitido, inicialmente, é aplicada uma advertência para que seja reduzido o ruído e, se necessário, o local seja isolado ou tratado acusticamente. Caso o autuado permaneça infringindo a lei, aplicam-se as penalidades de multa e interdição das emissões sonoras. O site do Instituto Brasília Ambiental (IBRAM) apresenta de forma detalhada como são feitas as fiscalizações.
Veja mais em: http://www.ibram.df.gov.br/poluicao-sonora/
Florianópolis
A lei complementar do município de Florianópolis, CMF 003/99 versa sobre as definições sobre o que é o som, suas variantes e estabelece níveis de ruído máximos de acordo com o tipo de zoneamento vinculado ao plano diretor da cidade. A referida lei complementar é bastante completa em termos de poluição sonora e também classifica os tipos de infrações que podem ser cometidas, criando faixas de valores para multas. Tais multas, no caso de reincidência, podem decretar a falência do negócio, visto que os valores começam a se tornar altos e inviabilizar a operação do bar ou casa noturna.
Veja mais em: http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/floram/index.php?cms=departamento+de+controle+de+emissoes+sonoras&menu=7&submenuid=177
Concluindo – Como adequar estabelecimentos para tratar dos sons?
Para explicar melhor como adequar o estabelecimento comercial às leis e prover o passo a passo de como realizar o procedimento correto para evitar multas relacionadas à poluição sonora, nós do Portal Acústica elaboramos um e-book que pode te auxiliar nesta questão. É o Guia Prático: Acústica e o seu negócio, no qual você terá as informações para viabilizar o seu negócio.
Muitas vezes, a autuação e fechamento de estabelecimentos ruidosos pode ser evitada pela adequação acústica do local. Há várias maneiras de controlar o ruído no interior de bares e casas noturnas, a partir de sistemas, materiais de isolamento acústico e condicionamento acústico interno. As soluções podem ser aplicadas a paredes, portas e janelas, sistemas de piso e forro, e até mesmo máquinas, equipamentos, e tubulações. O mercado já dispõe de materiais com alta resistência ao fogo, e soluções eficientes e inovadoras do ponto de vista estético. Procure um consultor acústico que pode te indicar materiais em um projeto que atenda tanto aos requisitos de isolamento acústico como oferecem conforto sonoro interno e fidelizam clientes!
Para saber mais sobre materiais acústicos e seus desempenhos, veja o artigo “Materiais acústicos: o mercado e o desempenho acústico” postado no blog Portal Acústica dia 19 de setembro de 2018.
Autores: Pablo Serrano e Bruna Croce
[1]http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ideias/como-montar-um-bar,4f187a51b9105410VgnVCM1000003b74010aRCRD
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