Acústica básica – PARTE I
Propomos uma pausa nos temas específicos geralmente abordados no blog do Portal Acústica para apresentar a fundamentação associada ao estudo da acústica. Aos iniciantes, é importante estar familiarizados com alguns dos fundamentos deste campo de conhecimento e, até mesmo aos já experientes, absortos no dia-a-dia das atividades profissionais, nunca é demais relembrar! Venha conosco entender um pouco mais sobre acústica básica…
Você sabe o que define um som?
A acústica é o ramo da física associado ao estudo do som. O som é uma onda mecânica em movimento, que se propaga em um meio compressível (seja ele líquido, gasoso ou sólido que se comprime), transportando energia vibracional. A onda representa um distúrbio ou alteração da matéria, e é esta perturbação que se propaga de partícula em partícula em movimentos periódicos. Este fenômeno exibe, em muitos aspectos, comportamento semelhante a outros movimentos de ondas que encontramos na natureza, como as ondas de água e de luz. Entretanto, o som é uma onda longitudinal, diferentemente das ondas da luz, visto que a vibração do som se dá na mesma direção de propagação da onda. Já para a luz as partículas vibram em direção perpendicular à propagação da onda, sendo ondas transversais.
A variação de pressão em relação à pressão atmosférica é capaz de excitar o aparelho auditivo, isto significa que o som percebido é decorrente de uma flutuação da pressão. Esta variação de pressão a partir da vibração das partículas é “convertida” pelo sistema auditivo, produzindo a sensação do som no nosso cérebro. A menor variação de pressão percebida pelos seres humanos é na ordem de 2x10e-5 Pa (0.00002) e a maior variação suportada (limite da dor) é de aproximadamente 60 Pa, sendo 1Pa = 1N/m2.
Quais as características das ondas sonoras?
As ondas sonoras são definidas por grandezas como: amplitude (A), frequência (f), período (T), comprimento de onda (λ), velocidade de propagação (c), velocidade da partícula e as características do meio de propagação. Mas como será que todas essas grandezas se relacionam?
A Frequência (f) é a grandeza física do estudo da ondulatória que indica o número de ciclos (oscilações completas) de uma partícula em um dado espaço durante um período de tempo (t). A Frequência (f) é expressa em Hertz (Hz), em homenagem ao físico alemão Heinrich Hertz, caracterizada pelo inverso do Período (T). Sendo este o tempo de um ciclo completo de oscilação da onda (tempo necessário para que um movimento vibratório realizado por um corpo volte a se repetir):
f = 1 / T eq. 1
A faixa de audição média de um ser humano varia entre 20Hz e 20kHz, sendo os números menores equivalentes às frequências graves e os números maiores às frequências agudas. Abaixo de 16Hz estão os infrassons (vibrações da água, batidas do coração, etc.) e acima de 20kHz estão os ultrassons (emitidos por alguns animais e insetos, sonares, aparelhos médicos e industriais). Os seres humanos podem distinguir a diferença entre um tom de 1000 Hz, e um de 1002 Hz, tendo em vista a resolução de frequência de 0,2%. Estes limites decrescem com a idade e com as condições de conservação do aparelho auditivo de cada indivíduo, mas efeitos interessantes ocorrem quando começamos a mesclar tons de diversas frequências, de forma que mascaramos a interpretação de alguns sons! Esse estudo subjetivo do som é chamado de Psicoacústica.
Bandas de frequência
Os níveis de pressão sonora, do inglês Sound Pressure Level (SPL), medida da energia emitida a partir de uma fonte sonora (que serão apresentados em detalhes mais adiante, neste artigo), podem ser medidos em faixas de frequência. Os centros das bandas de oitava (faixas de frequências) são normalizados pela ISO (International Organization for Standardization). No caso das bandas de um terço de oitava (1/3 de oitava), por exemplo (1 oitava = dobro da frequência), a cada dobra da frequência existem 3 bandas, conforme representado na Figura 1. As 31 frequências centrais padronizadas pelo ISO em números arredondados são as seguintes: 20, 25, 31.5, 40, 50, 63, 80, 100, 125, 160, 200, 250, 315, 400, 500, 630, 800, 1k, 1k25, 1k6, 2k, 2k5, 3k15, 4k, 5k, 6k, 8k, 10k, 12k5, 16k, 20k Hz.
Figura 1: Bandas de um terço de oitava (1/3 de oitava)
A Frequência (f) se relaciona igualmente com o comprimento de onda (λ). Quando dizemos que um som possui uma frequência f=10Hz, isto significa que, em um segundo, esta manifestação de energia sonora oscila e retorna ao ponto de origem 10 vezes (de crista a crista, ou de vale a vale).
Comprimento de onda e velocidade do som
Esta conceituação nos permite classificar o som dentro das categorias básicas conhecidas como grave, médio ou agudo. Cada frequência está associada a um comprimento de onda, que seria a representação física de um ciclo ao longo de uma distância. Baixas frequências apresentam comprimentos de onda grandes, enquanto as altas frequências apresentam comprimentos de onda menores. A frequência (f) e o comprimento de onda (λ) se relacionam com a velocidade de propagação das ondas (c), para os casos em que a velocidade do som é constante:
λ = c / f eq. 2
A velocidade de propagação da onda em um meio (ar, por exemplo) é a mesma para qualquer onda com qualquer comprimento de onda ou frequência. No ar, a temperatura ambiente a velocidade do som é c= 344 m/s, o que significa que em o som percorre 344 metros em 1 segundo, ou 34 metros em 0.1 segundos.
A propagação sonora por via aérea pode ser explicada pelo princípio Huygens. Este princípio estabelece que uma frente de onda (conjunto de pontos que são atingidos simultaneamente pela mesma fase de uma onda) progride no espaço como se cada um de seus pontos emitissem ondas esféricas elementares. Após um determinado período de tempo (Δt), o comportamento das ondas elementares será como o ilustrado na Figura 2:
Figura 2: Propagação sonora conforme o princípio de Huygens.
Qualquer fonte pontual, em que a potência (P) gerada pela fonte se irradia igualmente em todas as direções e se distribui homogeneamente sobre uma superfície esférica centrada em seu eixo, irá obedecer à lei do inverso do quadrado da distância, também chamada de lei da divergência. Segundo esta lei de espalhamento esférico, a intensidade (I) é dada pela razão entre a potência da fonte e a área da esfera, conforme a Figura 3. Veja que a intensidade vai diminuindo ao passo que o raio da esfera vai crescendo, ou seja, ao passo que se distancia da fonte.
Figura 3: Relação entre intensidade (I) e distância da fonte.
O princípio de Huygens também é aplicado à reflexão do som. Se tomarmos por exemplo uma frente de onda que atinge uma superfície plana com um ângulo de incidência , cada ponto na superfície agirá como uma fonte secundária, irradiando ondas sonoras de forma semicircular. A reflexão ilustrada obedece à Lei de Snell, onde o ângulo de incidência é igual ao de reflexão ( para qualquer comprimento de onda.
O efeito da difração também deve ser considerado na avaliação da propagação sonora de ondas. Esse efeito depende significativamente da relação entre o comprimento da onda e o tamanho do obstáculo. A difração se relaciona com os comprimentos de ondas ou frequências da seguinte forma: quanto maior o comprimento de onda, ou menor a frequência, maior a difração da onda sonora em um obstáculo. Em barreiras acústicas, quanto maior o ângulo de difração, mais ineficiente é a barreira. Veja mais sobre barreiras acústicas neste primeiro e segundo artigos. No estudo da acústica, os efeitos de difração podem ser divididos em três grupos: barreiras, aberturas e bordas. O comportamento de ondas difratadas está ilustrado nas Figuras 4 e 5, respectivamente para o caso de barreiras, aberturas e bordas, para o caso de altas e baixas frequências.
Figura 4: Difração nas baixas frequências, respectivamente para barreira, abertura e borda
Figura 5: Difração nas altas frequências, respectivamente para barreira, abertura e borda
Além da reflexão e da difração, outro aspecto importante relacionado ao estudo do som e conhecimento da dinâmica de propagação de ondas é a absorção sonora. Comumente, nos artigos publicados no blog do Portal Acústica, apresentamos o fenômeno da absorção e indicamos materiais acústicos com esta propriedade. A absorção é uma propriedade importante para controle da reverberação excessiva em uma sala, podendo ocorrer tanto no ar, como em superfícies. Parte da energia de uma onda é dissipada ou absorvida pela superfície, sendo o coeficiente de absorção de um material a relação entre energia incidente e energia dissipada, variando na escala de 0 a 1. Quando o coeficiente é zero, significa que não houve dissipação (toda energia foi refletida pela superfície). Do contrário, quando o coeficiente de absorção é um, significa que toda energia foi absorvida pela superfície.
As propriedades de absorção, reflexão e difração adequadas são os requisitos básicos para o bom desempenho acústico de uma sala, garantindo a boa inteligibilidade sonora, a distribuição sonora uniforme, a difusão sonora e o tempo de reverberação apropriado conforme a finalidade de uso do ambiente e a ausência da interferência de ruídos indesejáveis.
A representação numérica da percepção do som.
Para explicar a representação numérica da percepção do som, voltamos ao século XIX, quando os físicos alemães Weber e Fechner verificaram que as sensações humanas não possuíam uma relação direta com os estímulos provocados, mas que a resposta do indivíduo era proporcional a uma variação relativa do estímulo. Esta relação é dada pela equação 3.
Onde a sensação (S) é proporcional a uma função logarítmica do estímulo (E), corrigido por um fator k e uma constante C. Isto significa que, para se provocar variações lineares de sensação (progressão aritmética) é necessário variar o estímulo em progressão geométrica. A comparação relativa entre potências – pressão medida (P) e pressão de referência (Po) – é determinada pela relação denominada Bel (B), em homenagem a Alexander Graham Bell, conforme a equação 4:
Quando a pressão sonora medida (p) é igual a potência de referência a relação é de 0 Bel (log 1 = 0). Em 1929, um submúltiplo do Bel, chamado “decibel” (dB), para variações menores que 10 vezes a pressão de referência. O “decibel” (dB) é, portanto, a décima parte do Bel (1B = 10dB). Verificando-se a menor variação de pressão sonora perceptível pelo sistema auditivo (1 dB), a equação de Fechner-Weber foi reescrita para a sensação auditiva:
Considerando-se a pressão de referência como o limite mínimo da audição humana, que foi testado em 1 kHz e equivale a 20 microPa, pode-se substituir a pressão de referência na equação acima. Além disso, sabendo-se que a pressão sonora varia sua amplitude para valores nulos, é necessário um valor eficaz que represente a energia contida na onda. Por tal motivo se utiliza a pressão média quadrática calculada em um certo tempo de medição. Assim, para manter a razão pode-se usar a equação abaixo para obter o nível de pressão sonora (Lp), dado por:
O decibel é uma função logarítmica e, portanto, se somarmos 30 dB + 30 dB, o resultado não será 60 dB, mas sim 33 dB! Se a diferença entre valores for superior a 10 dB, por exemplo, o resultado da soma será muito próximo ao maior valor, visto que 10 dB equivale a uma diferença em termos do valor absoluto muito discrepante. Portanto, um som 10 dB mais alto que outro praticamente mascara o de menor nível, e não percebemos muito bem uma mudança significativa em termos de sensação auditiva com a presença deste som de menor nível.
Vejamos como esses níveis de pressão sonora estão relacionados com o nosso dia a dia. A Figura 6 apresenta as regiões de níveis de pressão sonora relativas aos limites da percepção, conforto e da dor para seres humanos.
Figura 6: Níveis de pressão sonora – limites de percepção, conforto e dor. Fonte: AMF.
Ficou curioso para conhecer melhor os fundamentos do estudo da acústica ou tem dúvidas sobre algum assunto específico, citado ou não, neste artigo? Deixe seu comentário! Em nosso próximo artigo, abordaremos outros conceitos importantes e apresentaremos a importância da relação física da acústica com os ambientes projetados. Mas se tiveres interesse em ir mais a fundo, se inscreva em nosso curso básico de acústica chamado Fundamentos do Som. Clique Aqui e conheça o programa do curso, que aborda também um pouco de como se inserir e o que faz cada profissional ligado aos diversos ramos acústica.
Muito bom o artigo, bem didático! Parabéns!
Eu sou mestranda de arquitetura e resolvi pesquisar mais sobre o tema de acústica para minha dissertação. Sou nova no ramo, então ainda não entendo todos os tópicos claramente. Por isso, estou visitando o Portal Acústica para possíveis aquisições de cursos.
Na frase “O decibel é uma função logarítmica e, portanto, se somarmos 30 dB + 30 dB, o resultado não será 60 dB, mas sim 33 dB! ” fiquei na dúvida, então, em como fazer a média de vários valores de dB.
Por ex, fiz 3 medições de dB em um determinado ponto, repetindo o procedimento em vários outros pontos. Como proceder para saber a média de dB em cada um desses pontos e a média geral? Basta fazer a média aritmética normal (soma dos valores medidos/quantidade de medições de um só ponto e depois a soma dessas médias/quantidade de pontos totais)?
Obrigada.
Que legal Thaísa, ficamos agradecidos…
Thaisa, o ideal seria você pegar um de nossos cursos presenciais sobre cálculos com dB para aprender o que é um valor equivalente, sendo uma média logarítmica, e como fazer isso na calculadora ou no excel.
Para arquitetura o ideal seria você adquirir o EPBA 3.0 que é sobre acústica de edificações de uma forma bem ampla. O outro curso recomendado é o da NBR 10.151 para medição, cálculo e também definição da classe de ruído, bem usada no projeto de fachadas acústicas.
Abraços