Acústica em Portugal: Casa da Música, Mercado da Ribeira e Brown’s Boutique Hotel
Por: Claudio Roberto Ghiorzi – EPBA 1.0
Visitei recentemente a Europa e aproveitei a viagem de lazer para conhecer e observar alguns aspectos acústicos das cidades que visitei. Eu já falei aqui no portal Acústica sobre o caso da Semperoper em Dresden, na Alemanha e hoje vou abordar um pouco do que acompanhei da acústica em Portugal.
Brown’s Boutique Hotel & Apartments
Tive uma experiência acústica interessante em um hotel em Lisboa, na sala onde tomávamos o café da manhã.
Era um lugar grande, de mais ou menos 350 m², talvez um pouco mais, com um pé direito bem alto, onde a sonorização e o conforto acústico eram quase perfeitos para um lugar deste tipo. Não havia interferência de ruídos vindo das mesas aos lados e tampouco dos ruídos causados pelo garçons.
O som da música ambiente era totalmente inteligível e com uma qualidade muito boa. O nível era tal que não atrapalhava a conversa com quem estava na mesma mesa.
As paredes, revestidas em madeira, funcionam como absorvedores de som. As caixas nas paredes laterais, colocadas em prateleiras junto ao teto, 5 de cada lado, estão geometricamente distribuídas nas paredes laterais e colocadas entre livros, o que ajuda na difusão do som.
Notem que estas caixas acústicas nas laterais são grandes e com uma qualidade muito boa. Diferentemente do que costumamos ver em restaurantes comuns que não tem esta preocupação com o conforto acústico no som ambiente e geralmente usam caixas de som não adequadas ao lugar.
As duas caixas penduradas no teto são, na verdade, amplificadores de guitarra da marca Marshal, uma importante fabricante deste tipo de equipamento. Elas estão funcionando, mas o maior efeito delas é decorativo. Um grande subwoofer está colocado em uma das paredes laterais. Não tive acesso aos equipamentos amplificadores, mas este foi um exemplo de como um restaurante pode tratar bem do conforto de seus clientes através de um bom projeto de sonorização e acústica.
O interessante é que eu vi uma foto antiga deste hotel e nesta sala, no lugar dos livros existiam garrafas. Com certeza, a troca das garrafas por livros ajudou na acústica. Na foto ao lado, um detalhe dos móveis, que também favorecem a acústica.
O Mercado da Ribeira, em Lisboa
Agora vou dar um exemplo de um lugar onde se pode deliciar com uma grande fartura de comidas regionais de Portugal, acompanhadas por bons vinhos. Mas qie, como se pode imaginar, possui uma acústica simplesmente horrível. Um alto nível de ruído de pessoas conversando e talheres batucando freneticamente nos pratos.
Este é o Mercado da Ribeira em Lisboa. Um lugar imperdível para a satisfação gulosa e com uma acústica sofrível. Pela foto, dá para ter uma ideia:
A Casa da Música, em Porto
Conhecer a Casa da Música, em Porto, foi a experiência mais interessante da viagem tanto no que diz respeito à acústica, quanto em termos de arquitetura.
A Casa da Música de Porto é um lugar muito especial. Ela é dedicada somente à música. Não tem atores, não tem teatro, portanto não tem ópera. Só tem eventos relacionados exclusivamente à música. Os músicos são os atores principais. Por isso não tem nem fosso de orquestra. A orquestra, quando é o caso, fica no palco.
Alguns espaços que compõem a Casa da Música e suas características acústicas:
Sala Suggia
Com capacidade de 1238 lugares e considerada o coração da Casa da Música, a Sala Suggia serve de âncora a todo o edifício, permitindo que os principais percursos se desenhem à sua volta. Com sete janelas que a ligam quer ao exterior quer a outros espaços, proporcionando diferentes ângulos de visão, é o único concert hall do planeta onde se pode tocar música exclusivamente com luz natural, suficiente para a leitura de partituras.
A acústica do auditório principal é, reconhecidamente, de excelência. Todos os materiais de revestimento foram escolhidos com essa preocupação: contraplacado de pinho nórdico para paredes e tecto; vidro curvo para compensação e divergência de ondas sonoras; e um tecido para as cadeiras que imita a presença humana até 70% de ocupação da sala.
Para obter o tempo de reverberação ideal para um concert hall – aproximadamente 2 segundos – que se prescindiu do fosso de orquestra e da torre de cena, com os quais a performance acústica ficaria reduzida em cerca de 30%. Sempre que surge a oportunidade de apresentar uma ópera ou um espetáculo que ocupe todo o palco, imita-se a função de um fosso removendo as quatro primeiras filas da plateia.
Ao contrário do que acontece com auditórios exclusivamente dedicados à música clássica e sinfónica, a Casa da Música também alberga outros géneros, daí a Sala Suggia possuir galerias para equipamento técnico de luz acima do tecto e uma ponte de manutenção que o atravessa, podendo ainda deslizar sobre ele. A distribuição equitativa de som faz com que todos os lugares da sala sejam excelentes.
A disposição das cadeiras, sem coxia ou corredor central de distribuição, proporciona um acesso harmonioso a todos os lugares sentados. Com esse intuito foi desenvolvido, nos assentos, o mecanismo de deslize, que permite a uma pessoa atravessar uma fila inteira de cadeiras sem que ninguém tenha de se levantar. Também por isso, numa situação de emergência a evacuação da sala é feita em tempo recorde.
Sala 2
é a segunda maior sala de concertos, com capacidade para 300 lugares sentados ou 650 lugares em pé. A sua fenomenal acústica baseia-se na placagem de revestimento das paredes e tectos, em contraplacado perfurado, não pintado convencionalmente a spray ou pincel mas mergulhado em tinta vermelha, o que lhe confere uma tonalidade muito natural com ligeiros matizes.
Cibermúsica
Espaço originalmente pensado para o Serviço Educativo e adaptado a novas e variadas funções ao longo dos anos. Os seus materiais de revestimento, borracha e espuma de poliuretano de um lado e betão aparente do outro, provocam um efeito único de dupla acústica.
Por isso o tratamento sonoro da sala privilegia a amplificação, sendo os concertos acústicos apresentados do lado da janela exterior. Se se bater uma palma nos cantos opostos da sala percebe-se claramente que o som se propaga de forma distinta: mais claro, frio e natural no lado do betão, mais quente e encorpado no lado da borracha.
O espaço é utilizado para reuniões, concertos e palestras, apesar de se manter a ligação técnica necessária pelas tomadas de chão aos sistemas informáticos da Casa. A janela interna, com vista para o palco, está com a cortina aberta quando o espectáculo o permite, dando ao visitante a possibilidade de observar o palco, inclusive em concertos diurnos, ensaios e ensaios abertos.
Nesta planta baixa é possível ver um pouco desses espaços:
O retângulo maior é a Sala Suggia. O menor é a Sala 2. Pelos seus tamanhos, o tratamento acústico de cada uma das salas é particular, projetado exclusivamente para cada uma delas. Como sabemos, em via de regra, as salas menores têm que ter mais absorção, enquanto as salas maiores mais reflexão.
Nas fotos seguintes vê-se a Sala 2. No momento da visita, ela estava sendo montada para um espetáculo que aconteceria à noite. Nas fotos vêem-se os equipamentos de iluminação e de sonorização, que são montados conforme o espetáculo a ser levado. Às vezes com equipamentos e equipes da própria Casa da Música e às vezes com equipamentos e pessoal contratado por quem é responsável pela apresentação.
Suas paredes são cobertas por painéis feitos de placas de pinho perfurados, sem pintura. É somente a madeira tratada.
As portas também são revestidas com estas placas.
A parede atrás do palco é uma grande janela de vidro ondulado. Esta janela tem dois objetivos: o primeiro é para poder utilizar a luz natural quando conveniente; o segundo é que, por ser ondulada, esta superfície também é um refletor. O vidro é duplo e tem uma isolação sonora muito boa.
Esta grande janela tem uma cortina motorizada muito pesada que pode ser fechada quando necessário.
Esta é a Sala Suggia. A grande sala da Casa. Muito maior, ela tem tratamento acústico muito diferente da Sala 2. Suas paredes são refletoras. Diferentemente da Sala 2, os painéis que recobrem as paredes não são perfurado, mas placas de pinho pintadas.
No teto e nas paredes laterais, no nível das cadeiras, tem difusores feitos de madeira.
Nas paredes laterais e na parede do fundo, atrás do público, tem paredes de vidro duplo ondulado que são isolantes acústicos e também difusores.
Este painel pendurado no teto é feito de plástico, com parede dupla que pode ser inflado com ar comprimido para deixá-lo mais ou menos rígido. Ele também pode ser movimentado para ficar mais próximo ou mais afastado dos músicos e pode ter seu ângulo modificado. Tudo motorizado. Ele serve para modificar o RT60 no palco. Sem este painel, o RT60 no palco pode chegar a 7 ou 8 segundo. Com o painel devidamente ajustado este valor pode cair par algo em torno de 2 segundos ou menos. Uma técnica bastante interessante.
Como pode ser visto na foto abaixo, as paredes de vidro ondulado são duplas. A “caixa” da sala está isolada mecanicamente, pois suas paredes também são duplas. Na foto pode-se notar o vão que existe entre as duas paredes que é o risco que se vê entre os vidros. Nesta sala de onde tirei a foto, que é uma sala anexa, de onde se pode visualizar a sala principal, não se ouvia nenhum som vindo do palco onde umas crianças estavam ensaiando um outro espetáculo. E vice-versa: do interior da Sala Suggia não se houve nada do que acontece na sala onde estou.
Além destas duas salas principais, de acordo com a descrição do texto inicial sobre a Casa da música, existem outras salas de apoio.
Cada uma tem uma função específica, mas sempre dedicada ao ensinamento da música, principalmente para crianças. Todas também receberam tratamentos acústicos que se pode ver nas fotos a seguir. Todas elas têm janelas pelas quais se pode ver as salas principais.
A Sala Vip, que é a que tem os painéis de azulejos serve para receber convidados antes dos espetáculos. Ela tem visão para a Sala Suggia, pela janela fechada por uma cortina e com os vidros ondulados e duplos.
Muito mais poderia ser falado sobre esta Casa da Música, mas deixo para os curiosos e interessados se aprofundarem nos materiais disponíveis na Internet:
Espero que esta experiência acústica em Portugal tenha sido de interesse de vocês. Coloco meu email para quem quiser fazer algum contato comigo: claroghi@gmail.com
Leia também: Semperoper em Dresden: Uma experiência acústica na Europa
Sobre o autor
Claudio Roberto Ghiorzi é Engenheiro de Telecomunicações e participa da primeira turma do EPBA. Trabalhou durante 40 anos em uma rede de TV dos estados de São Paulo e Minas Gerais, afiliada da Rede Globo. No Departamento de Engenharia, foi responsável por trazer novas tecnologias relacionadas à captura, edição, pós-produção e armazenamento de conteúdo de vídeo, áudio e dados.É músico e apaixonado por acústica, assunto ao qual se dedica ultimamente.
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