Captura de grave ou bass trap funciona mesmo?
Fonte: https://ethanwiner.com/basstrap_myths.htm
Em artigo anterior aqui do blog, explicamos como o comportamento sonoro em recintos fechados é influenciado pelas características geométricas e pelos materiais do ambiente. Apresentamos os conceitos de campo sonoro composto pelo som direto, pelas primeiras reflexões (early reflections) e reflexões tardias (late reflections) que formam o campo reverberante. Neste artigo pretendemos explorar alguns conceitos de acústica modal e discutir em que situações se coloca um dispositivo de captura de grave, também chamado de bass trap. Será que eles funcionam mesmo?
Os graves são mais difíceis de tratar em pequenas salas
Cada ambiente apresenta um comportamento acústico específico. O tamanho da sala, a geometria do perímetro, os materiais de revestimento e os dispositivos acústicos é que determinam a sua qualidade. Em estúdios de gravação, por exemplo, as primeiras reflexões são aquelas causadas pelo som que sai das caixas de som e bate nas superfícies da sala (piso, parede, tetos ou objetos) e alcançam os ouvidos do engenheiro de áudio dentro dos primeiros 15 milissegundos (ms) após o som direto. Em ambientes com essa finalidade de uso, o nível sonoro das primeiras reflexões deve estar pelo menos 10 dB abaixo do nível sonoro do som direto para todas as frequências na faixa de 1kHz a 8kHz [1]. Isso garante uma ótima localização da fonte sonora e precisão na mixagem.
Algumas salas apresentam geometrias desfavoráveis e precisam de correções acústicas. Um estudo prévio da sala para diagnóstico e indicação dos materiais e dispositivos mais adequados depende da sua finalidade de uso. Rádios, estúdios de TV e de ensino à distância (EAD) têm o objetivo de fornecer bons resultados para a voz. Por outro lado, estúdios musicais precisam atender a um espectro de frequências mais amplo, onde os graves são mais presentes e difíceis de serem controlados.
Análise modal – O que é?
A análise modal de uma sala é uma avaliação das frequências predominantes que surgem devido às características geométricas da sala. É uma etapa importante no projeto de salas que permite o reconhecimento das frequências mais problemáticas. O dimensionamento dos problemas modais e suas soluções devem ser feitos em etapa de projeto para melhores resultados. E essas soluções podem ser obtidas a partir da “calibração” da sala. Ou seja, o ajuste de picos e quedas de amplitude para determinadas frequências é controlado ao se variar as dimensões da sala e ao se colocar materiais acústicos em locais estratégicos. Tendo em vista a variedade de sistemas, materiais e dispositivos acústicos, a aplicação destes deve ser cautelosa e respeitar os objetivos acústicos do projeto em questão. É possível atuar em salas já construídas, mas em geral os resultados são menos eficientes do que começar do zero e da maneira certa.
A análise modal de salas com menores dimensões deve ser mais criteriosa, visto a influência dos modos acústicos da sala em um espectro de baixas frequências (sons graves). A partir do conhecimento da disposição dos modos de uma sala, é possível identificar os locais onde a pressão sonora é máxima ou mínima para as frequências analisadas. Dessa forma, são identificados os pontos em que ocorrem reforços sonoros ou cancelamentos de fase devido às ondas estacionárias (ondas que se somam sempre da mesma forma devido ao comprimento de onda. As ondas estacionárias se “realimentam” devido aos paralelismos, proporções e dimensões da sala e causam fenômenos indesejáveis aos ouvidos e em gravações, pois agem como filtros naturais que alteram as características do som entre a fonte sonora e o receptor.
Análise dos modos acústicos de uma sala
O fenômeno chamado modo acústico resulta da ocorrência de ondas sonoras com comprimento igual ou proporcional à dimensão do ambiente. Este é um problema mais crítico para as frequências baixas (sons graves), pois a ocorrência dos modos se dá de maneira mais esparsa e geram picos ou deficiências de pressão sonora que precisam ser tratadas quase que uma a uma. Os modos acústicos são classificados em: axiais, tangenciais e oblíquos. Os modos axiais são relativos à uma única dimensão, ocorrendo diretamente entre duas superfícies paralelas da sala (teto e piso e/ou paredes laterais):
Os modos tangenciais são relativos à duas dimensões, resultando do som refletido entre as quatro superfícies da sala:
Os modos oblíquos relacionam-se à três dimensões, representando os raios que refletem em seis superfícies:
Em ambientes de grandes dimensões, como salas de concertos, auditórios, teatros e similares, os primeiros modos acústicos ocorrem em frequências bem baixas. No caso de ambientes com dimensões pequenas, como salas de controle de um estúdio, home theaters, home studios, e estúdios de gravação, os primeiros modos acústicos ocorrem em mais altas frequências. Nestes últimos ambientes, esses modos acabam coincidindo com as frequências fundamentais da voz humana ou ainda com instrumentos graves como o contra-baixo, o bumbo da bateria ou ainda de outros tambores. Por esse motivo, temos que dar mais atenção a essas salas menores, visto que a aplicação destes “filtros acústicos naturais” é indesejável se queremos gravar esse áudio com qualidade. Por muitas vezes é possível ouvir mixagens em salas mal projetadas e os relatos das pessoas dizendo que a mesma está com muito grave, ou que está com pouco grave.
Os modos axiais são ondas que batem em paredes paralelas e a soma destas ondas causa regiões de alta amplitude sonora nas extremidades da sala (paredes). Não à toa, o tratamento das frequências graves é frequentemente realizado nos cantos da sala, visto que a união de três paredes é um vertice da sala e lá é onde geralmente se pode encontrar um acúmulo de modos acústicos agindo. A Figura abaixo revela o reforço sonoro nas extremidades da sala para os múltiplos do comprimento de onda que correspondem à dimensão da sala.
Figura 1: modos de vibração
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Dimensões Ideais da Sala – Dimensões Áureas
Podemos prever que existem diversas frequências que apresentam seus comprimentos de onda que são comportados dentro das dimensões da sala. Portanto, há uma densidade modal que vai crescendo para frequências mais altas. Isso acontece até que a densidade modal seja tão grande que consideramos o ambiente altamente difuso. Esse limite é determinado pela frequência de Schoereder. Mas para algumas certas geometrias de sala, a densidade modal se dá de forma mais uniforme e com isso a sala acaba soando melhor aos ouvidos. Alguns pesquisadores da área de acústica indicam as dimensões ideais para salas em função da análise dos modos acústicos. A “proporção áurea”, do inglês Golden Proportion, está apresentada na Tabela 1 para alguns autores e para salas tipo caixa de sapato.
Tabela 1: Proporção de salas retangulares para distribuição adequada dos modos
Autor |
Comprimento (m) |
Largura (m) |
Altura (m) |
Sepmeyer |
1.39 |
1.14 |
1.00 |
1.54 |
1.28 |
1.00 |
|
2.33 |
1.60 |
1.00 |
|
Louden |
1.90 |
1.40 |
1.00 |
1.90 |
1.30 |
1.00 |
|
2.50 |
1.50 |
1.00 |
|
Volkmann |
2.50 |
1.50 |
1.00 |
Boner |
1.59 |
1.26 |
1.00 |
Fonte: [2] adaptado pela autora
Como dissemos anteriormente, cada ambiente apresenta um comportamento acústico específico. Além do seu tamanho e geometria do contorno, os materiais e os dispositivos aplicados na parede pode alterar completamente sua resposta sonora. Os objetivos acústicos relacionam-se com as necessidades de uso da sala. Se tomarmos por exemplo o caso de home studios e salas de gravação, o principal objetivo é que o produtor tenha uma escuta perfeita no ponto chamado de sweet spot.
Você sabe o que é o sweet spot?
O sweet spot é o termo utilizado para designar o ponto de escuta ideal e mais equilibrado de uma sala, para uma melhor definição e distinção de frequências. O posicionamento é definido pela relação da distância entre os monitores e o ouvinte. Este ponto fica localizado na frente dos dois monitores, posicionado a partir de uma relação de equidistância com os monitores, formando um triângulo equilátero com o sweet spot. Com relação às paredes laterais da sala, o sweet spot está posicionado no eixo central, equidistante das paredes. Mas devemos ter em mente que o ponto no centro de uma sala quadrada é onde ocorre diversos nós dos modos acústicos, que são posições com o mínimo de pressão sonora em certas frequências. Portanto, não é aconselhável posicionar o ponto de audição exatamente no centro da sala.
Figura 2: Relação de distância entre monitores e ouvinte
Fonte: http://www.mixdownmag.com.au/mixdowns-guide-studio-monitor-placement
O ajuste das frequências baixas (sons graves) pode ser feito a partir de sistemas de equalização eletrônicos mas essa atitude pode estar maquiando o problema em outros pontos de audição. O ideal é sempre procurar tratar problemas acústicos com materiais acústicos. Existem diferentes tipos de absorvedores de graves ou Bass Traps (armadilhas de grave). Mas uma forma bem eficiente e focada em uma faixa de frequência específica é utilizar absorvedores de pressão. Os absorvedores de graves podem ser diferenciados em função de duas características: absorção de velocidade ou absorção de pressão.
Captura de grave: quais são os tipos e como aplicar
A diferença entre bass trap de velocidade e de pressão se dá basicamente pela região de uma onda na qual o dispositivo atua [2]. Bass traps de pressão são utilizados nas regiões de pressão máxima de uma onda sonora, capaz de absorver mais eficientemente a energia acústica nestas regiões. Os absorvedores de velocidade são mais eficientes nas áreas onde a velocidade da partícula é elevada.
Absorvedores de pressão
Absorvedores de pressão atuam em uma banda estreita da região grave, sendo geralmente utilizados nas regiões de alta pressão da sala, como as paredes e cantos, onde os sons graves têm a tendência de acúmulo. Dentre os tipos de absorvedores de pressão, estão os absorvedores de membrana e os ressonadores de Helmholtz. O ressonador de Helmholtz é um sistema absorvedor capaz de dissipar energia para frequências específicas. Este comportamento ocorre em função das características geométricas do sistema, sendo fundamentais na definição do seu dimensionamento. Consultorias especializadas em acústica podem dimensionar e confeccionar um ressonador de Helmholtz para a sua sala, sendo este tipo de painel uma alternativa que evita a perda de espaço das salas.
O absorvedor de membrana se enquadra na categoria de absorvedores para frequências bem sintonizadas, tal como o ressonador de Helmholtz. Os absorvedores tipo membrana são sistemas compostos por uma cavidade interna de ar fechada, parcialmente preenchida com material poroso e lacrada por uma superfície flexível (membrana) de densidade superficial conhecida que vibra sobre o colchão de ar interno.
A instalação destes dispositivos é realizada nas regiões de alta pressão sonora, e em geral para ser mais prático elas são nas paredes e em especial nos cantos. Alguns modos serão mais proeminentes que outros e um absorvedor projetado para uma certa frequência deve ser posicionado onde há uma região de alta pressão, evitando um “nó” que é uma região de baixa pressão.
Dispositivos de absorção de velocidade
Os absorvedores de velocidade são constituídos de materiais porosos, como lãs minerais (lã de vidro, lã de rocha ou lã de PET, espumas e materiais similares), e têm por principal característica a absorção de todo o espectro de frequências, de acordo com o dimensionamento do painel.
Estes materiais são constituídos por cavidades internas ou poros nos quais a energia sonora é convertida em calor, resultando na perda de energia da onda sonora incidente sobre o material. Este tipo de absorvedor, por atuar em uma banda larga de frequência, é também chamado de broadband, ou absorvedor de banda larga. O desempenho deste tipo de sistema depende do seu dimensionamento: espessura, densidade, material aplicado e área de absorção, podendo auxiliar no controle das ondas estacionárias e amenizar as primeiras reflexões sonoras. Quanto mais grave a frequência que se deseja tratar, mais espesso deve ser o material.
Para que os bass traps tenham o rendimento desejado no espaço, o posicionamento dos dispositivos deve ser definido em função do conhecimento das regiões do ambiente com acúmulo de frequências. Geralmente, os bass traps ficam localizados nos cantos e nas extremidades das salas, sendo estas as regiões onde existe maior concentração de pressão sonora devido aos picos causados pelas ondas estacionárias. Entretanto, como eles atuam para altas velocidades de partícula, o ideal é que suas aberturas ou a cavidade deles seja correspondente a 1/4 do comprimento de onda das frequências com níveis mais crítícos. A posição exata é feita conforme o projeto acústico e identificação dos modos mais predominantes que podem ser identificados via medição ou simulação computacional.
Baffles de teto e Baffle walls
Já falamos sobre os baffles de teto em artigos anteriores. Este tipo de material pode ser utilizado de forma aparente, sendo fixados diretamente na laje, e dispensando o uso de forros acústicos. Podem, igualmente, ser instalados no entreforro, conjuntamente à utilização de forros acústicos, feitos de espumas e lãs minerais.
Além dos baffles de teto, comumente utilizadas em estúdios de cinema e home theaters, as chamadas baffle walls são como paredes falsas construídas normalmente em madeira, onde ficam localizados os alto-falantes (esquerda, centro e direita) e subwoofers. As baffle walls também podem ser eficazes na captura de graves, uma vez que seu interior seja preenchido com material de absorção sonora, como a lã mineral.
Figura 3: Baffle walls
Fonte: http://www.acousticfrontiers.com/2013322baffle-walls/
Concluíndo
As capturas de graves, ou bass traps são excelentes formas de se absorver energia de baixas frequências, dando assim mais equilíbrio na sala e consequente qualidade de reprodução e gravação. Para tal, é necessário saber das características modais da sala e com tal informação de densidade modal avaliar a posição de instalação. A posição onde ocorre maior concentração dos efeitos negativos dos modos acústicos é em geral nos cantos das salas, onde os picos de pressão sonora ocorrem, e para tal se usam absorvedores de pressão, de velocidade ou baffles. E agora, vai começar a projetar o seu estúdio?
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Referências
[1] Listening conditions for the assessment of sound programme material: monophonic and two–channel stereophonic EBU Tech. 3276 – 2nd edition May 1998
[2] EVEREST, F. Alton, POHLMANN, Ken C. Master handbook of acoustics. 5 ed. New York: McGraw-Hill, 2009.
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