A união entre conforto acústico e o meio ambiente
Primeiramente, não é de hoje que os produtos sustentáveis vêm ganhando seu espaço no mercado. Cada vez mais cresce a busca por soluções que não causem impacto ao meio ambiente e que não sejam prejudiciais ao ser humano. Em conjunto com a necessidade de se ter cada vez mais conforto acústico dentro das edificações, os materiais sustentáveis são algo almejado por todo arquiteto preocupado com a qualidade.
Estão disponíveis no mercado inúmeros materiais com propriedades acústicas, com diferentes aplicações e finalidades. Para ajudar não só a obter os níveis definidos por lei, como proporcionar um excelente conforto nas edificações, há opções industriais e alternativas. Porém, contamos com a existência de muitos materiais inflamáveis e/ ou tóxicos, que causam um grande impacto ambiental. A lã de rocha, um velho conhecido do isolamento acústico, precisa de cuidados específicos para o manuseio, como a utilização de máscaras e roupas de proteção. Sem essa preocupação a lã de rocha pode causar desde irritações alérgicas, até problemas graves no sistema respiratório. Portanto, a lã de rocha, assim como a lã de vidro, não são usados como materiais de revestimento acústico em contato com o ambiente interno.
Pensando nos impactos causados pelos materiais, foi criada a Corkoco (uma junção de Cork = cortiça e coconut = coco), uma solução acústica ecológica e natural, feita a partir de uma mistura de fibra de coco e um aglomerado de cortiça expandido que vem apresentando bons resultados na absorção de baixas frequências. Assim contamos com uma eficiência maior que os materiais clássicos da acústica, como os painéis convencionais de lã de rocha ou lã de vidro revestidos com tecido. Ambos os materiais já eram utilizados para fins acústicos desde o início dos anos 2000, mas a preocupação com o meio ambiente passou a ser mais evidente de um tempo pra cá.
A preocupação com o ruído em edificações
Da mesma forma que surgiu essa preocupação ambiental, também aumentaram as preocupações com os efeitos causados pelo ruído ao ser humano, como as doenças cardiovasculares e do sistema digestivo, isso sem falar nos problemas psicológicos que a constante exposição ao ruído pode trazer. Vale lembrar que uma das principais qualidades que um imóvel tem a oferecer é seu conforto acústico, ninguém gosta de morar em um lugar onde se pode escutar os vizinhos constantemente, seja caminhando, ou falando. Se localizado próximo a vias ruidosas, ou lugares de grande circulação de pessoas, certamente um imóvel irá sofrer na hora de encontrar um comprador disposto a suportar o barulho do trânsito diariamente.
Uma divisória composta pelo material, de acordo com a amorim isolamentos, tem um índice de isolamento a sons aéreos de 55 dB, que é o índice que caracteriza a capacidade de um elemento divisório (parede ou piso), posto em obra entre dois ambientes, de reduzir o ruído. Se comparada a um sistema com gesso e lã de rocha, que isola cerca de 44 dB, é visível que a Corkoco não deixa a desejar.
A fibra de coco
Utilizada sozinha, estudos mostram que os painéis de fibra de coco atendem tanto as exigências técnicas quanto ao controle de qualidade, podendo ser comparada com os demais materiais disponíveis. Ao contrário do que se pode parecer, esse material é inodoro, resistente a umidade, não produz fungos e não irá apodrecer. Além de ser usada no isolamento, entre paredes e no contra piso, a partir da fibra de coco podem ser produzidos pisos mais leves e resistentes que os tradicionais, com boas propriedades de absorção sonora, dando também um destino à cerca de 80 cocos, que levariam oito anos para se decompor no meio ambiente.
Quanto as propriedades que fazem desta fibra um bom material, se destacam sua densidade de 70 [Kg/m3] e uma porosidade de 95.6%. Se analisarmos os coeficientes de absorção, em baixas frequências, como 125 [Hz] vale muito a pena investir na fibra de coco, tanto para tratar o ruído de impacto, quanto o ruído aéreo.
O processo de produção do material
Para transformar o fruto em material fibroso, é feito um procedimento onde o coco é recolhido e armazenado em uma área de céu aberto, depois colocado em tanques com água, onde são mantidos até que o mesocarpo, parte espessa e fibrosa, amoleça. Após o amolecimento, são cortados e levados para máquinas desfibradoras, sendo que a água utilizada na lavagem da fibra normalmente é reutilizada e a parte sólida restante, conhecida como borra, é utilizada na agricultura como adubo.
Quando o material fibroso está pronto, após um processo de secagem, são separadas as fibras maiores das menores para transformá-las em uma corda de fibras, o que melhora sua união. As cordas são “pré-cozidas”, e descansam por um tempo antes de passarem por prensas que a transformam em mantas. Seu acabamento é dado por meio de um lixamento e pintura, para que os painéis sejam liberados, após essa fase as fibras já não retêm mais umidade. Para obter uma densidade maior, característica muito importante para um material acústico, só é preciso uma superposição por prensagem de mantas.
Além de ser usado de maneira comum, tratando o som de maneira escondida dentro das paredes ou piso, a fibra de coco pode ser utilizada em diversos artefatos de decoração, que terão como principal função a absorção acústica aliado ao design do ambiente. Um painel com vasos, como o da imagem, pode ser usado na sacada para ajudar na absorção do ruído gerado pela rua em um apartamento por exemplo.
A cortiça
A cortiça é um produto natural e ecológico, assim como o coco, se sua extração é feita corretamente por profissionais, no período entre maio e agosto, não fere o tronco da árvore tornando a matéria prima renovável, por até 17 vezes. O sobreiro, árvore de onde extraímos a cortiça, é “uma barreira contra a desertificação”, de acordo com o relatório da WWF (World Wide Fund for Nature), por melhorarem a matéria orgânica dos solos, contribuindo para a regulação do ciclo hidrológico. Claro que como toda fonte natural e renovável, só com um bom gerenciamento de sua exploração é possível garantir sua sustentabilidade.
O maior produtor de cortiça é a União Europeia, sendo responsável por 80% da produção mundial, e Portugal se destaca com mais da metade dessa produção. No tronco do sobreiro é encontrada uma estrutura que lembra uma colmeia, com células microscópicas preenchidas por um gás semelhante ao ar e revestida por polímeros vegetais.
A extração da cortiça
A extração da cortiça é feita em intervalos regulares de 9 anos, na primeira vez, a cortiça produzida tem uma qualidade inferior e uma estrutura irregular, o que é melhorado com o tempo, sendo que a partir da terceira extração a cortiça obtida atinge sua qualidade máxima, conhecida como cortiça amadia.
Sua densidade alta, entre 100 e 120 [Kg/m3] ajudam em uma redução de até 35% do ruído, e assim como a fibra de coco, não produz fungos e não irá apodrecer, com a vantagem de não liberar gases tóxicos durante um incêndio, o que a distingue muito das espumas para a absorção sonora, que são combustíveis e tóxicas em caso de incêndio, o que já vimos na prática, que tem o potencial para causar grandes tragédias.
Os coeficientes de absorção de um aglomerado de cortiça mostram sua maior eficiência partir de 1000 [Hz], e estudos feitos em laboratório comprovam que sua utilização é mais eficiente para tratar o ruído de impacto, o que não a impede de ser utilizada em conjunto com a fibra de coco.
Os pisos flutuantes podem ser formados com uma camada de HDF (aglomerado de fibras de madeira de alta densidade) entre uma folha de aglomerado de cortiça na parte inferior e um aglomerado de cortiça de alta densidade na parte superior.
Como isolamento acústico, a cortiça expandida é usada para reduzir o nível sonoro por conta de sua absorção, reduzindo o tempo de reverberação do ambiente, podendo ser aplicada no teto ou paredes, para que esse tipo de isolamento seja eficiente o aglomerado precisa possuir grânulos de pequenas dimensões.
O conjunto de fibra de coco e cortiça expandida
A análise separada dos materiais é importante para demonstrar a relevância de cada um e suas características acústicas, a junção deles, é conhecida por nomes como corkoco e corkonut, o que fica a critério da marca. A JOCAVI, empresa portuguesa especializada em desenvolver tratamentos acústicos, se diz amiga do meio ambiente, e por esse motivo, criou uma linha ecológica 100% natural, que utilizam cortiça, fibras de coco e fibras de madeira como solução acústica.
O coeficiente de absorção encontrado varia de acordo com a montagem e proporção de cada material, a cortiça irá garantir um isolamento vibro acústico enquanto a fibra de coco irá absorver a energia sonora, o que vai reduzir o ruído estrutural e garantir seu isolamento sonoro. O material pode ser aplicado em estúdios, auditórios, restaurantes etc.
O gráfico do coeficiente de absorção disponibilizado pela marca deixa claro a diferença entre seus modelos Addsorb Line e Leaky fm line, sendo o último melhor em médias e altas frequências.
Além do coeficiente de absorção por frequência, é importante analisar o NRC, que faz média aritmética dos coeficientes de absorção a 250 Hz, 500 Hz,1.000 Hz e 2.000 Hz. A diferença entre cada um dos modelos, está em seu acabamento e performance, sendo todos eles montados na mesma sequência de cortiça expandida, fibra de coco e fibra de madeira para o acabamento.
A geometria aderida em cada modelo é o que faz essa diferença entre a redução de ruído, eles funcionam como placas perfuradas ou ranhuradas, que exploram a ressonância, onde a razão de área perfurada irá ocasionar perda por amortecimento, ou perda viscosa no caso de microperfurações.
Por que o material não é popular no Brasil?
Mesmo com seu excelente desempenho e sustentabilidade, ainda contamos com poucas empresas que fabricam o material. No Brasil ainda é muito comum a utilização indiscriminada de espumas acústicas para o tratamento de salas, sem levar em consideração os riscos em caso de incêndio em um local que conta com um número elevado de pessoas, dessa forma é dificultada a propagação dos materiais alternativos em geral. Uma placa do corkoco, custa cerca de €25,61 por m2, enquanto uma placa que contenha só a fibra de coco custa cerca de €12,29 por m2, um painel de lã de pet, o material mais ecológico e de fácil acesso no Brasil, chega a custar R$40,00 por m2. Isso também é um dos fatores que dificultam a importação da mistura de fibra de coco e cortiça, se levarmos em consideração o preço, não faria sentido comprar o material importado.
O ideal para a popularização do produto, seria que alguma fabricante em soluções acústica do país se interessasse pela ideia, e passasse a produzir localmente o material, o que diminuiria custos com importação, até porque ambos os materiais já são utilizados separadamente por aqui.
Na hora de escolher o material acústico para seu projeto, é de extrema importância analisar o desempenho por banda de frequência, de nada vai adiantar a utilização de um excelente material em 100 [Hz] se o seu ruído é em 1 [kHz], mas é óbvio que um bom profissional acústico sabe diferenciar cada material e onde aplicá-lo em seu projeto, sem isso o som ambiente pode ficar desagradável mesmo tendo o melhor tratamento, com o material mais caro que existe.
Referências
Bistafa, Sylvio R. Acústica aplicada ao controle do ruído. São Paulo: Blucher, 2011.
INT – Instituto Nacional de Tecnologia. “Placas de Fibra de Coco para Isolamento Térmico e Acústico.” Relatório de Adequação Tecnológica de Produto para Exportação, 2005.
Valério, André Filipe Baptista. Materiais para uma construção sustentável: o caso da cortiça . Tese de Mestrado, Almada: Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, 2014.
Vieira, Rodrigo José de Andrade. Placas de Fibra de Coco para Isolamento Térmico e Acústico . Tese de Mestrado, Belém: Universidade Federal do Pará, 2008.
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