Desempenho acústico de fachada de acordo com a forma
O isolamento de fachadas é um tema recorrente no blog do Portal Acústica. Publicamos em 14 de maio de 2019 o artigo “Janela acústica – Como funciona e será que vale a pena?”. Também publicamos, em 20 de janeiro deste ano, o artigo “Fachadas ventiladas: aspectos ambientais e desempenho acústico” e em 17 de outubro de 2018 um artigo sobre classificação do ruído em fachadas “O que é ruído de fachada e classe de ruído”. E esse artigo complementa o tema, visto a necessidade de desempenho das edificações habitacionais e os novos requisitos da NBR 10.151:2019 que entrou em vigor há pouco.
Tratando especificamente da influência da forma das fachadas na propagação sonora e seu desempenho acústico, temos a possibilidade de calcular empiricamente ou computacionalmente esses efeitos. Geralmente, pequenas modificações no projeto da fachada podem fornecer uma proteção acústica melhor, sem comprometer outros requisitos do projeto. Em geral alguns dos requisitos são conflitantes com a acústica (a ventilação, por exemplo). Determinados elementos de fachada podem funcionar como barreiras ao ruído urbano, controlando a transmissão dos ruídos externos para o interior das edificações.
Por um lado, os elementos podem propiciar uma maior perda de transmissão sonora e, por outro, as inúmeras reflexões sonoras nas sacadas podem aumentar o nível de pressão local e causar perda de desempenho. Existem fatores relevantes a serem considerados devido à forma da fachada. A existência de sacadas ou terraços deve levar em conta seus aspectos geométricos e os tipos de fechamento, além de considerar a direção da fonte sonora, e a absorção sonora no teto da sacada [1].
O que as pesquisas dizem?
Pesquisas como [1] têm por finalidade avaliar a influência das sacadas no desempenho acústico de uma fachada. A pesquisa apresenta os resultados de ensaios em campo para diferentes sistemas de forros instalados em uma sacada de uma unidade habitacional. A finalidade é a de qualificar o desempenho acústico do sistema de fachada correlacionando com forro utilizado na sacada. O estudo mostra aumentos nos valores da diferença de nível padronizada ponderada a 2 metros da fachada (D’2m,nT,w) de até 2 dB para diferentes forros (não muito significativo mas que pode ajudar a construtora a atingir o mínimo necessário em alguns casos). Dentre as amostras ensaiadas, o forro de fibra mineral apresentou melhor desempenho (principalmente nas baixas frequências), seguido pela chapa metálica perfurada. A instalação da chapa metálica perfurada também representou um aumento no desempenho acústico global da fachada, com ganho de 1 dB na diferença padronizada de nível ponderada. Tendo em vista os resultados da pesquisa, pode-se dizer que os materiais que possuem um aumento no isolamento da fachada nas bandas de baixa frequência têm um alto potencial de uso, visto que melhoram o conforto para os usuários em áreas afetadas pelo ruído urbano (caracterizado por sons de baixa frequência). No entanto, a pesquisa revela a piora no desempenho acústico de fachadas quando da utilização de determinados forros reflexivos, comprovadamente atestada a partir dos ensaios. Os resultados indicam a necessidade de uma avaliação criteriosa do tipo de material a ser aplicado em cada projeto.
Em outro estudo [2], foram realizadas, a partir de simulações no software DISIA e modelos físicos, comparações entre diferentes tipos de fachadas em edificações de 5 pavimentos:
- fachada plana,
- fachada com sacadas e guarda-corpos vazados
- fachada com sacadas e guarda-corpos de vidro.
Tanto nas simulações como nos modelos físicos, os resultados mostram que há mudança significativa de desempenho conforme a forma da fachada. De acordo com a pesquisa, uma fachada plana está completamente exposta ao ruído, enquanto uma fachada com elementos geométricos e aplicação de materiais com propriedades de absorção sonora, pode resultar em melhores níveis de desempenho da edificação.
Os seguintes resultados foram observados na pesquisa, com relação à influência de sacadas no desempenho das fachadas:
- A profundidade da sacada tem efeito positivo no desempenho acústico apenas nos pavimentos mais elevados
- No nível térreo a profundidade da sacada não é relevante quanto ao desempenho acústico,
- Sacadas com largura maior do que 4 metros não alteram significativamente a performance acústica,
- Sacadas com guarda-corpos resultam em uma maior redução sonora (até 3 dB) quando comparados com guarda-corpos vazados (este efeito é maior nos pavimentos mais elevados),
- Uma inclinação de 10° dos guarda-corpos da fachada tem influência positiva na atenuação sonora em todos os pavimentos (aproximadamente 1dB) devido à difração das ondas nas bordas do guarda-corpo,
- A inclinação do teto da sacada não produz nenhum efeito relevante no desempenho acústico,
- Fachadas com sacadas escalonadas produzem efeito positivo no desempenho acústico.
Veja que interessante: para escalonamentos de pelo menos 3 metros, a diferença de nível padronizada pode ser maior do que 10 dB, sendo este efeito influenciado pelo aumento da distância entre a superfície da fachada e a via de tráfego.
Figura 1 – Sacadas e seus efeitos de proteção acústica
Fonte: https://www.onthemarket.com/content/in-pictures-balconies-to-enjoy-the-sunshine-and-a-glass-of-something-cold/
Quando colocados materiais de absorção sonora nas sacadas, as conclusões do estudo foram as seguintes:
- No nível térreo, o efeito dos revestimentos é apenas relevante se aplicados os revestimentos em todas as superfícies das sacadas,
- O efeito dos revestimentos de absorção é maior nos pavimentos mais elevados.
Em geral, uma solução capaz de minimizar o uso de material de absorção, como também proteger o material dos efeitos meteorológicos, é posicionar o material de absorção no teto da sacada e na parte interior do guarda-corpo.
Outra pesquisa [3] examina, a partir de um modelo real, a influência de 4 tipos de sacada comumente utilizadas em Hong Kong no desempenho acústico de fachadas, como mostrado na Figura 2. A primeira sacada possui fechamentos nas partes frontal e laterais. A segunda fachada possui fechamentos apenas na parte frontal. A terceira possui fechamentos apenas nas laterais, e a quarta não possui fechamentos rígidos. O fechamento frontal da sacada representa o elemento de maior influência no desempenho acústico, enquanto as paredes laterais da sacada não apresentam significativa influência na performance acústica. A pesquisa mostra que, quanto mais distante estiver localizada a fonte sonora da fachada, mais importante é o fechamento frontal das sacadas em termos do desempenho acústico da fachada. Esse fechamento frontal é mais eficiente em altas frequências. Já nos casos sem fechamento frontal, o desempenho acústico para fontes distantes é o mesmo que no caso de fachada plana.
Figura 2: Tipos de sacadas avaliadas por [3]
A norma EN 12354-3 – Como prever o ruído de fachada
A norma EN 12354-3 (Building acoustics — Estimation of acoustic performance of buildings from the performance of elements — Part 3: Airborne sound insulation against outdoor sound) normatiza um modelo de cálculo para estimativa do isolamento sonoro de uma fachada ou outras superfícies externas de uma edificação. O cálculo se baseia no índice de redução sonora dos diferentes elementos que compõem a fachada e considera as transmissões diretas e indiretas (transmissão por flancos). A norma indica que os elementos da fachada podem influenciar positiva ou negativamente no desempenho acústico do sistema. São apresentados coeficientes que permitem calcular a influência das fachadas no índice de redução sonora do conjunto parede + esquadria + sacada, de forma a prever seu comportamento sonoro. Essa norma não é de simples leitura, visto a complexidade dos parâmetros e necessidade de conhecimento da língua inglesa ou francesa. Além disso, somente um profissional com ampla experiência em cálculos utilizando logaritmos é que consegue realizar previsões acertadas. Mas não se desespere achando que é algo impossível de fazer. Quem sabe entrando um pouco mais neste meio e aprendendo os descritores e os cálculos você pode chegar lá com algum tempo de estudo. Se você quer realmente entrar mais a fundo neste tópico, que tal conhecer o nosso programa de treinamento em Acústica de Edificações, o EPBA 2.0 (Experts Program of Building Acoustics).
Influência da implantação do empreendimento na propagação sonora
Os parâmetros urbanísticos (afastamentos, gabaritos e taxas de ocupação) deveriam ser formulados tendo em vista a influência da morfologia urbana na propagação sonora. A partir da relação entre o volume edificado, o sistema de espaços livres e a malha viária é possível prever as concentrações sonoras próximas a edificações. Se esse planejamento e estudo fosse realizado, as políticas de planejamento urbano poderiam proporcionar maior controle e proteção do ruído incidente nas edificações e, sobretudo, nos receptores críticos, evitando problemas e desconforto das populações. As figuras abaixo foram extraídas do estudo [4], e apresentam a relação da forma urbana e da geometria das edificações com a maior ocorrência de zonas de sombreamento acústico.
Na Figura 3, são apresentados diferentes tipos de implantação, revelando as regiões de sombreamento acústico para cada caso. Esse tipo de análise é fundamental para a definição da disposição e setorização dos ambientes internos às edificações. A definição do layout em função das regiões de sombreamento / maior exposição é capaz de resguardar os ambientes mais sensíveis ao ruído.
Figura 3: Influência da implantação na propagação sonora
Fonte: [4]
O escalonamento da fachada também pode trazer efeitos significativos na propagação sonora, conforme mostra a Figura 4. A difração das ondas sonoras nas bordas da edificação resulta na alteração de percurso das mesmas e, novamente, este conhecimento é interessante para definição da setorização dos ambientes internos às edificações, como a posição dos quartos.
Figura 4: Influência do escalonamento no desempenho acústico da fachada
Fonte: [4]
Outras relações importantes da forma urbana dizem respeito não apenas à forma e implantação, como ao afastamento entre as edificações. A arquitetura moderna é caracterizada pelas edificações de grande gabarito e, nos centros urbanos, os chamados cânions urbanos são como corredores estreitos formados por edificações em ambos os lados. O comportamento sonoro no interior dos cânions urbanos é altamente influenciado pelas inúmeras reflexões decorrentes do paralelismo das formas. A geometria do cânion está relacionada à altura e largura dos prédios. A Figura 5 ilustra a relação da propagação sonora com o afastamento entre as edificações. A atenuação sonora no ar devido à distância entre as edificações permite uma redução da incidência sonora nas fachadas (primeira imagem), enquanto na segunda imagem as fachadas de ambos as edificações ficam expostas à altos níveis de pressão sonora.
Figura 5: Influência do afastamento entre as edificações no desempenho acústico da fachada
Fonte: [4]
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Referências
[1] PEREIRA, M. C., KLIPPEL FILHO, S., LABRES, H. S., OLIVEIRA, M. F. Influência das Sacadas no Desempenho Acústico de Fachadas. XXVII Encontro da SOBRAC (Sociedade Brasileira de Acústica), 28 a 31 de maio de 2017, Brasília.
[2] BUSA, L., SECCHI, S. BALDINI, S. Effect of Façade Shape for the Acoustic Protection of Buildings. Building Acoustics, V17, n4, Pages 317-338. 2010.
[3] TANG, S. K. Noise screening effects of balconies on a building facade. The Journal of the Acoustical Society of America 118, 213, 2005.
[4] NIEMEYER, L. Mapeamento e medição de ruído: critérios acústicos e planejamento urbano. Seminário poluição sonora no contexto urbano atual. Câmara Municipal de BH. Acesso: https://www.cmbh.mg.gov.br/sites/default/files/eventos/material_de_apresentacao_-_palestrante_lygia_niemeyer.pdf
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