Isolamento acústico – Lei da Massa
De acordo com a Lei da Massa, quanto maior a massa superficial de uma parede, ou o “peso” desta, melhor o seu desempenho acústico. Massas maiores diminuem a ocorrência de vibrações e a probabilidade de transmissão sonora pelo sistema de vedação. A Lei da Massa indica que a cada vez que a espessura da parede é duplicada, o isolamento acústico do sistema – avaliado pelos valores da Perda de Transmissão (PT) ou do Índice de Atenuação Sonora (R) –, aumenta aproximadamente 6 dB, sendo que o desempenho do sistema melhor, sobretudo, para altas frequências. Você sabe o porquê? Neste artigo vamos tratar deste tema bastante importante que faz parte do isolamento acústico, e que tem suas pegadinhas, já que ter somente uma das paredes reforçada não significa necessariamente que você terá uma melhoria significativa no isolamento do ambiente como um todo.
Na série de parâmetros, conceitos, e fenômenos relacionados ao som, a Frequência (f) é a grandeza física do estudo da ondulatória que indica o número de ciclos (oscilações completas) durante um período de tempo. A Frequência (f) é expressa em Hertz (Hz), em homenagem ao físico alemão Heinrich Hertz, podendo ser calculada pela seguinte equação:
f = 1 / T eq. 1,
Como podemos ver, a Frequência (f) é o inverso do Período (T), sendo este último o tempo de um ciclo completo de oscilação. Essa oscilação pode se dar de pico a pico ou devale a vale da onda sonora, sendo o tempo necessário para que um movimento vibratório realizado por um corpo volte a se repetir.
Para explicar melhor o que é Frequência (f) e como esta grandeza se relaciona com o comprimento de onda, λ, na Figura 1 estão representados os gráficos da Amplitude (A) em função do Tempo (t) para duas ondas sonoras medidas em um ponto fixo do espaço. As ondas sonoras representadas são correspondentes às frequências de 3Hz e 10Hz, quando temos a ocorrência de 3 e 10 ciclos por segundo respectivamente. A Amplitude (A) é a grandeza que simboliza a extensão de uma perturbação durante um ciclo da onda, sendo que seu valor máximo pode permanecer constante ou variar ao longo do tempo dependendo da intensidade do som ou do mecanismos de atenuação no meio que se propaga. Isso vale para outros tipos de sinais periódicos como os elétricos também, mas observe que tais sinais acústicos são idealizados e dificilmente ocorrem na natureza devido a presença de diversos sons com timbres e frequências distintas ocorrendo de maneira simultânea.
Figura 1: Gráficos de Amplitude (A) em função do Tempo (t), para as frequências de 3Hz e 10Hz
Quando dizemos que um som é de 10 Hz, isto significa que, em um segundo, esta manifestação de energia sonora completa oscila sua amplitude 10 ciclos de onda. Esta conceituação nos permite classificar o som dentro das categorias básicas conhecidas como grave, médio ou agudo. Apesar de ter essas oscilações de amplitude em um ponto do espaço, nós humanos podemos pensar que o som como algo contínuo sem oscilações de amplitude, sendo que podemos na verdade determinar um valor de amplitude efetiva do som que chamamos de nível de pressão sonora. No minicurso fundamentos do som do Portal Acústica apresentamos esse e outros conceitos mais técnicos. Se você têm interesse, se inscreva clicando AQUI.
Para cada frequência temos um comprimento de onda, que seria a representação física de um ciclo ao longo de uma distância e isso depende da velocidade de propagação desta onda no meio.
λ = c / f eq. 2,
sendo c a velocidade do som. Se a velocidade do som for constante, como ocorre em geral para meios sem escoamento de fluidos, o comprimento de onda é inversamente proporcional à frequência. Observe que baixas frequências apresentam comprimentos de onda grandes, e altas frequências apresentam comprimentos de onda pequenos. Isso é importante pois somente conseguiremos isolar o som de um ambiente para o outro se tivermos material de absorção em diversos comprimentos de onda ao longo do caminho de propagação. Com isso, ao longo de uma parede de mesma espessura para dois sons distintos, teremos mais probabilidade de atenuarmos picos de amplitude de frequências mais agudas (comprimento de onda menor) do que picos de amplitude de frequências graves (comprimento de onda maior).
Resumidamente, a relação que podemos fazer entre a frequência (f), o comprimento de onda (λ) e o isolamento acústico de um sistema de vedação é a seguinte: frequências altas, com menores comprimentos de onda, têm pouca capacidade de “atravessar” uma superfície rígida, como uma parede. Esta capacidade é ainda mais dificultada quanto maior a massa do sistema, obedecendo à Lei da Massa. Já as frequências baixas, com maiores comprimentos de onda, são as mais difíceis de se isolar acusticamente, tendo em vista a maior capacidade destas ondas em “atravessar” os sistemas de vedação. No caso de frequências baixas, as características de rigidez do material de isolamento acústico podem ser mais importantes do que a massa do sistema construtivo ou vibratório.
Como podemos quantificar o isolamento de paredes?
Segundo Gerges (2000), existem duas grandezas físicas capazes de determinar as propriedades de isolamento acústico de sistemas construtivos: a Perda de Transmissão (PT) e a Diferença de Nível (D), ambas expressas em decibels (dB). A Perda de Trasmissão (PT), também conhecida como Índice de Atenuação Sonora (R), é definida pelo autor como sendo a relação logarítmica entre a energia sonora transmitida e a energia sonora incidente em uma parede.
Quer saber mais sobre o assunto? Leia na íntegra nosso artigo “Sobre o desempenho acústico de paredes…”, publicado no dia 11 de fevereiro de 2019. Acesse o artigo na íntegra AQUI.
Quando os valores obtidos para a Perda de Transmissão (PT) são altos há um grande isolamento acústico do sistema, devido à reduzida transmissão da energia acústica para o ambiente adjacente. Contrariamente, valores baixos de PT indicam o mau isolamento acústico do sistema construtivo.
Gerges (2000) sugere a seguinte fórmula para calcular a Perda de Transmissão (PT), o que chamamos de Lei de Massa:
TL = 20 log ( M f ) – 47,4 dB eq. 3,
Sendo TL a sigla que representa Perda de transmissão (PT), do inglês Transmission loss, expressa em dB; log (M f) é o logaritmo na base 10 da densidade superficial de massa M em m² do sistema construtivo (densidade aparente), multiplicado pela frequência f avaliada; 47,4 dB é uma constante. Essa lei só serve para uma determinada faixa de frequências e essa faixa varia de material para material.
A Lei da Massa e os limites impostos pelo projeto arquitetônico
Muitas vezes, a depender do nível de isolamento que se deseja para um determinado sistema de vedação, a Lei da Massa esbarra em um problema sério associado às demandas do projeto arquitetônico. Enquanto a Lei da Massa indica a necessidade de se duplicar a espessura da parede para aumentar o seu isolamento acústico, nem sempre o espaço ocupado pelo sistema é possível, visto dos limites do projeto. A necessidade de otimização do espaço físico ocupado pela parede, e dos custos, demanda alternativas construtivas para evitar o uso de paredes muito espessas e pesadas.
Uma alternativa pode ser obtida utilizando-se vedações baseadas no sistema massa-mola-massa. Este tipo de sistema de vedação é, geralmente, constituído por uma camada rígida de massa (em geral alvenaria ou chapa de gesso acartonado), seguido de uma cavidade de ar ou material fonoabsorvente que permite ser comprimido (como lã mineral, ou de PET), e outra camada rígida de massa, conforme a Figura 2.
Figura 2: Sistema massa-mola-massa
Fonte: DRYWALL – Associação Brasileira do Drywall, adaptado pela autora.
Sistemas compostos, do tipo massa-mola-massa, costumam apresentar valores de Perda de Transmissão (PT) maiores ou similares do que paredes simples, para a mesma espessura de parede. Mas porque isso ocorre?
Devido à descontinuidade dos meios que constituem os sistemas massa-mola-massa, as diferenças de impedância dos meios causam perdas consideráveis sendo que parte da energia sonora é convertida em calor ou retorna ao ambiente de origem, resultando em um aumento do isolamento acústico do conjunto.
São exemplos de sistemas de vedação do tipo massa-mola-massa: paredes de alvenaria dupla com cavidade de ar interna que pode ou não ser preenchida com material acústico de alta absorção sonora. Chapas de gesso separadas por cavidade de ar com lãs estão ficando cada dia mais populares pela rapidez de instalação. Um exemplo de sistema “híbrido” são paredes de alvenaria e chapas de gesso separadas por cavidade de ar ou preenchimento em lã mineral entre elas, que também apresentam isolamento acústico bom, mas lembre-se que cada projeto exige um grau de isolamento distinto, e não há fórmula mágica que resolva todos os problemas. Em geral pessoas que adotam um sistema construtivo sem avaliar a sua necessidade de isolamento podem estar subdimensionando o sistema, ou ainda, estar gastando mais do que precisariam investir.
Em todos os casos, é importante lembrar: quanto maior a cavidade de ar entre as camadas rígidas, maior o isolamento sonoro nas baixas frequências, mas essa regra tem um limite prático que somente os projetistas saberão te dizer. A Tabela 1 mostra um comparativo entre o isolamento acústico, expresso pelo Rw em dB, para diferentes sistemas de vedação. Sendo o Rw o parâmetro similar à PT, mas ponderado de acordo com o mecanismo de audição humano e dado em um único valor que representa o isolamento acústico do sistema.
Tabela 1: Comparativo entre o isolamento acústico para diferentes sistemas de vedação
Fonte: Desempenho acústico de esquadrias e NBR 15.575 – 2016 Kawneer Company, Inc. / Manual CBIC
Observe que blocos vazados de concreto com espessura de 11,5cm e massa superficial de 210 kg/m2 possuem isolamento acústico similar aos blocos vazados de cerâmica de 14cm de espessura e massa superficial de 180 kg/m2 (42 dBA), sendo que se variou a espessura do reboco também. Mas apesar de ter esses valores para cada parede, não podemos afirmar que a sala como um todo terá esse isolamento acústico.
Fonte: https://www.concretedecor.net/digital/blog/how-to-soundproof-concrete-walls/
Paredes compostas de Drywall, pelas propriedades dos sistemas massa-mola-massa, apesar de possuírem menor massa (kg/m2), garantem um isolamento acústico comparável às paredes com de blocos de concreto ou cerâmica, para a mesma espessura. Mas não se deixe enganar, as frequências que um sistema de drywall isola são diferentes do que as frequências que o sistema de alvenaria isola. Neste post AQUI vocês podem ver um exemplo disso, com resultados de ensaio de Rw destes sistemas. Portanto, é importante avaliar não somente os valores únicos e globais do isolamento acústico, mas sim quebrar esse isolamento em bandas de frequência distintas e avaliar caso a caso. Isso é necessário em geral para sistemas com equipamentos prediais, visto o espectro sonoro (características das frequências do sinal) e características do sinal acústico no tempo.
A partir da Tabela acima, podemos correlacionar as massas dos sistemas e o isolamento acústico deles, o que é particularmente válido na faixa de voz humana e funciona bem para partições em residências. Lembre-se que desempenho acústico depende não só da característica do material empregado nas paredes, mas sim de todas as superfícies do ambiente como pisos e teto que combinados dão um isolamento acústico geral. Esse isolamento ao ser combinado com a característica de conforto interno da sala e outras condicionantes que dão o desempenho acústico do sistema construtivo. Mas esse tópico é um pouco mais avançado e somente realizando um treinamento mais específico você irá entender isso por completo.
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Referências
GERGES, N.Y. S. Ruído – Fundamentos e Controle, 2ª edição, Florianópolis, SC, 2000.
Artigo incrível. Agora fico me perguntando como é separar todas essas faixas de frequência. No instante da concepção do projeto de uma sala de alta performance, com a finalidade de espetaculos diversos, mesmo fazendo considerações hipotéticas de frequência sonoras emitidas na sala, isto é, é muito complexo chegar num resultado versátil. Em torno de uma sala de grande porte, há essas característica de paredes?, visto que as paredes absorvem em determinadas frequências. E quanto o isolamento X condicionamento (inteligibilidade do som), são grandezas inversamente proporcionais? dessa forma, será observada sobre qual ótica ?
Olá Ramon, obrgiado pelo comentário. Em um projeto não conseguimos separar frequência a frequência porque os sistemas são contínuos. Eles apresentam diferentes respostas de acordo com a excitação e suas frequências de ressonância. Dependendo do projeto dá para trabalhar faixas de frequências mais críticas, mas é difícil tratar somente um valor em específico. Abraços!
Parabéns pelo trabalho, o Brasil precisa de mais portais como esse divulgando informação.
Olá Ramon, agradecemos o interesse e o elogio. Por favor sugira mais temas e comente sobre sua atuação e problemas enfrentados.
Excelente conteúdo! Muitas pessoas deveriam ler mais sobre esse assunto!
Parabéns pelo conhecimento!
Obrigado mesmo! Confira os demais conteúdos e fique atento em nossa newsletter.
Parabéns pelo artigo e por todo o material do portal. Não sou da área, mas você consegue transmitir as informações de forma clara, mesmo apresentando o conteúdo de forma técnica. Seu material está me ajudando muito. Obrigada!
Que legal Amanda. Agradecemos pelos comentários. Ficamos felizes em poder ajudar. Por favor sugira mais assuntos para abordarmos! Agradecidos
Olá, tenho uma dúvida… quando se diz que dobrando a massa de uma barreira, aumenta-se a absorção em apenas 6 Db, se considerarmos duas paredes afastadas, mesmo assim não é absorvido em dobro?
Oi Eric, duas paredes usadas como barreira em um ambiente aberto ainda contam com o som passando por cima delas e sendo difratado. Quando falamos em dobro, temos que avaliar bem a situação, visto que a acústica trabalha com essa escala logaritmica, o decibel, então o dobro não é uma boa avaliação pois depende do nível.
Ola, excelente artigo.
Fiquei em duvida de como mensurar uma possivel combinacao de materiais para isolar acusticamente uma casa que nao tem isolamento algum, ou seja, estimo que as 2 paredes das casas germinadas devam isolar em torno de 30 decibeis por padrao.
Como alcancar um isolamento de 80 decibeis sem perder muita parede?
Obrigado,
Oi Rodrigo,
para conseguir um isolamento de 80 dB você vai precisar de um isolamento de parede absurdamente grande. Não tem mágica, se não queres perder espaço, só utilizando materiais altamente pesados, como o chumbo por exemplo. Mas esse nível de isolamento de 80 dB é algo muito fora do comum, só usado em situações muito especiais e laboratoriais como para testes de foguetes, motores, ou algo assim. Em ambiente residencial tens que ir para paredes simples ou duplas. O melhor é sempre fazer um projeto, porque pode ser que o som venha por outros locais que não só a parede.
Abraços!
Pablo Serrano