O que é Aeroacústica e quem trabalha nessa fascinante área?
Um lindo dia de sol em Florianópolis, SC e mais de 40 pesquisadores de todo o mundo discutindo os rumos de uma fascinante área de conhecimento, a Aeroacústica. Foi assim no primeiro dia da Escola de Primavera de Aeroacústica, um evento que reuniu os mais gabaritados profissionais do mundo no Costão do Santinho entre os dias 23 e 26 de Outubro de 2017. Neste artigo você saberá do que se trata esse intrigante tema, e quais são os principais desafios da academia e da indústria que podem vir a movimentar o mercado.
Aeroacústica o estudo do som influenciado por escoamentos
Não é muito fácil observar os efeitos das condições ambientais na propagação de ondas sonoras, principalmente se o som é gerado por escoamentos de qualquer fluido, o qual pode gerar turbulência e com isso ruído. Vários efeitos são causados por variações de temperatura e de velocidade do ar, ainda mais se temos a interação entre uma estrutura rígida e sólida o que também pode causar forças aerodinâmicas e consequentemente ruído. Desta forma, esse campo de estudo é bastante complexo e desafiador. Muitos autores divergem quanto aos modelos criados para representar os fenômenos aeroacústicos em determinadas condições, e além disso, os experimentalistas divergem dos analíticos e dos numéricos, que são as tribos conhecidas por tomar diferentes abordagens aos problemas.
Para que serve a Aeroacústica?
Muitos problemas da indústria podem ser resolvidos aplicando simplificações em fórmulas matemáticas que representam o comportamento aeroacústico de uma determinada configuração. Para sermos mais específicos, hoje em dia os principais problemas estão ligados à indústria aeroespacial, de refrigeração e automotiva. Isso envolve em grande parte o desenvolvimento de aeronaves, trens, drones, dutos industriais, atenuadores, escapamentos, e outros. E no fim das contas o ruído ocasionado por esses meios de transporte ou equipamentos pode vir a interferir na nossa saúde auditiva ou na nossa qualidade de vida em comunidades. Portanto, o desafio dos profissionais desta área é gerar valor ao negócio, atendendo critérios de certificação e ao mesmo tempo balancear os prós e contras que uma adequação acústica pode proporcionar em outros critérios, como desempenho, consumo de combustível, poluição do ar e incômodo.
Quem são os profissionais da área?
Como essa área é bastante complexa, existem poucos profissionais no mundo que pesquisam e atuam efetivamente com aeroacústica. Se você pretende atuar em acústica, veja o depoimento do Denison Oliveira, profissional do ramo, neste video.
Uma excelente iniciativa foi reunir tais profissionais em Florianópolis para discutir o tema em alto nível. Uma parceria entre a UFSC e a KTH, duas instituições de ensino superior do Brasil e da Suécia respectivamente, trouxe quase 50 profissionais para formar a Escola de Primavera em Aeroacústica, que ocorreu dos dias 23 a 26 de Outubro em Florianópolis com o financiamento Sueco. Entre os envolvidos estão diversos acadêmicos que atuam com pesquisa e representantes da indústria nacional. No terceiro dia houve uma visita técnica ao Laboratório de Vibrações e Acústica da UFSC, o LVA, e uma mesa redonda coordenada pelo professor Julio Apolinário Cordioli, organizador do evento, para discussão dos rumos e desafios da indústria. Nos próximos parágrafos vou repassar algumas anotações que fiz ao traduzir a visão de cada participante desta mesa redonda e de alguns dos mais influentes pesquisadores, visto que tudo foi feito no idioma inglês. A minha intenção não é traduzir literalmente o que cada um falou, e aviso que possam haver más interpretações da minha parte. Entretanto, o objetivo é repassar à comunidade a importância do estudo nesta área.
Essa é a bancada de ensaios de ruído de jato construída no LVA em parceria com a EMBRAER para pesquisas dos efeitos de instalação e interações dos jatos com placas, simulando o efeito entre a saída de uma turbina e os flaps de uma aeronave.
Painel – Futuro da Aeroacústica e desafios da indústria
Eduardo Lobão – Embraer
O design de aeronaves é altamente multidisciplinar. Há muitos conflitos de necessidades das disciplinas de projetos e é um desafio incorporar variáveis de ruído que atendam tanto à certificação das aeronaves quanto às estratégias de negócio nas empresas grandes como a Embraer. Uma coisa é o incômodo das comunidades, e outra coisa é a certificação das aeronaves. Não podemos comparar as aeronaves usando somente essa métrica do EPNL, mas precisamos de melhores maneiras de prever esses valores, mesmo tendo uma variabilidade grande. Há maneiras de trabalhar com comunidades e como endereçar os problemas, mas precisamos separar as certificações individuais de cada aeronave disso. Quanto a análise estatística de Monte Carlo, pode ser algo bem interessante em termos de previsão, visto que estamos usando parâmetros estimados, e com isso temos que ter uma visão holística em relação aos resultados. Bases de dados de baixo custo são necessárias de forma que ferramentas empíricas sirvam para design nas primeiras etapas de concepção das aeronaves. Algumas tecnologias são baseadas em geometrias mais complexas de peças e novos sistemas de propulsão, mas tudo é muito incerto, com grandes projetos da NASA dando sinais de bons prognósticos para o futuro. O SILENCE project da Embraer é muito importante para mostrar os problemas às pessoas e como podemos colocar a comunidade científica em contato com a indústria para chegarmos a projetos de inovação e de alto impacto.
Fernando Catalano – USP
Quanto ao ruído aerodinâmico temos que ter em mente que tudo tem interdependências e impactos em consumo de combustível, emissão de gases, eficiência aerodinâmica e ruído. Os motores turbofan estão aumentando de tamanho, com uma tendência a termos nacelles (entrada do duto da turbina) cada vez mais curtas e finas. Devemos também manter as melhores práticas de redução de combustível e poluição, mas para isso precisamos pensar mais na fase de design da aeronave. A integração do pessoal de aerodinâmica e de ruído é fundamental para adquirir bons resultados, e isso está na agenda no momento. Os liners (materiais de revestimento de motores de aeronaves) são importantes para os novos designs de aeronaves na visão do professor da USP. Não há como “curar” um trem de pouso, mas podemos otimizar os efeitos de ruído na fase de concepção do produto. Enfim, a certificação de ruído das aeronaves pode ser crucial para se manter ou sair desse mercado de aeronaves.
Paul Murray – ISVR
Os liners devem trabalhar em frequências mais baixas, portanto, temos que ter certeza que nossos modelos funcionam bem e que podemos trabalhar em espaços diminutos e mais curtos tendo melhor eficiência. Precisamos avaliar todas as condições de antemão para prever o efeito dos liners. Baixo custo é essencial e as camadas limites devem ser melhor estudadas para entendermos como a skin friction velocity do escoamento se dá, e com isso para termos melhores previsões da impedância do material. Precisamos considerar modelos 3D na fase de projeto, e como os modos e a incidência do som afeta a eficiência dos materiais de tratamento acústico das aeronaves. Se irmos para estruturas de fibra de carbono, teremos um problema de como isolar o ruído interno nas aeronaves comerciais, principalmente para quem está na primeira classe e paga mais pela passagem. Então se as aeronaves ficarão mais leves, teremos que tratar melhor a questão de isolamento acústico nas cabines. Temos ideias em termos de cavidades curvas de materiais de tratamento acústico, mas a fabricação é difícil e melhores métodos de manufatura devem ser utilizados.
Hans Boden – KTH
Os aviões elétricos, assim como carros elétricos são algo inovativo e que merece atenção em termos das inovações e baixo ruído. O problema é a autonomia das baterias, mas em um futuro próximo isso será resolvido. A incomodação das pessoas quanto ao ruído foi avaliada nas residências na Europa, mas ainda não temos como usar essas informações para melhorar as métricas ou modelos preditivos em incômodo. o Prof. Fernando Catalano também concorda que é um tópico quente e que agora foi feito um comitê para discutir modelos elétricos de aeronaves.
Damiano Casalino – TU Delft
Tivemos problemas para reduzir ruído em trens de pouso, mas há muito o que fazer. Precisamos também falar em revestimentos para atenuar grandes faixas de frequência. O que podemos fazer também é otimizar cada segmento dos revestimentos para obter ótima atenuação do som em cada parte da nacelle, o que não é feito hoje em dia. Temos muitos riscos nesses tipos de projeto, principalmente na instalação de flaps próximo aos jatos, mas temos iniciativas de materiais de atenuação nos flaps que são uma ótima ideia. Os aviões ultrasônicos são algo novo que estão melhorando em termos do sonic boom, e pode ser uma ótima e rápida alternativa para voos sobre o mar. No entanto, as incertezas e a variabilidade dos dados experimentais em geral é ainda grande, não somente em relação ao ruído subsônico, podendo chegar a 7dB. Portanto temos que ter cuidado e reduzir essas incertezas. A métrica EPNL não está representando a audibilidade, portanto temos que reavaliar essa métrica. Outra coisa são as grandes simulações, que podemos usar para fins de educação e a indústria tem que promover a oportunidade das pessoas verem e estudarem isso.
Willian Wolf – UNICAMP
Ele questiona como investigar os problemas que temos em aeroacústica, visto que temos diversos problemas na indústria e que não são compartilhados na academia. Por exemplo, será que os métodos numéricos são realmente realizáveis? O quanto a indústria está disposta a pagar para ter melhores previsões de alta fidelidade em termos de ruído? Claro que temos mais capacidade computacional e técnicas conhecidas, mas precisamos saber onde estamos indo. Há possibilidade de usarmos machine learning em modelos reduzidos para aprender mais dos dados que temos? Enfim, precisamos de mais gente para trabalhar nesses tópicos, tanto na academia quanto na indústria.
Gwenael Gabard – Université du Maine
O que podemos tirar dos dados que já temos? Uma grande simulação dá muita informação, mas precisamos entender se aquilo é fisicamente possível. Precisamos portanto de parâmetros mais realistas da indústria para guiar os esforços de pesquisa e que, no fim das contas, realmente representem algo realizável e factível.
Guillaume Brés – Cascade
Precisamos de pesquisa aplicada, mas também de pesquisa básica da academia. Falamos muito de aplicações subsônicas, mas as aplicações militares são em geral supersônicas, e neste caso temos outros problemas de ruído muito maiores. Os pilotos de aeronaves militares precisam de capacetes para reduzir o ruído, e isso pode apresentar problemas de saúde também. É um desafio multidisciplinar e com muitas frentes, sendo que modelos com fidelidade podem ser necessários. O desafio está posto, mas precisamos de dados experimentais bem documentados para causar um bom impacto.
Luc Mongeau – McGill
Os desafios da indústria são guiados pelas certificações. Os procedimentos hoje adotados dão uma ideia do ruído, mas muitas fontes surgiram. Na certificação não se vê cada parte em separado, mas sim valores globais em condições de decolagem, cruzeiro e pouso, não sendo possível separar cada fonte de ruído. Precisamos rever as recomendações em termos dos níveis de certificação, conclui. Para tal, pesquisamos o ruído de várias aeronaves e com isso nos deram a possibilidade de usar uma “bola de cristal” e prever o futuro. Não queremos matar a indústria, mas precisamos de níveis que sejam desafiadores para irmos em frente. Estamos vendo novas aeronaves indo muito bem em relação aos critérios das certificações nos dias de hoje. Mas os procedimentos atuais usados na certificação são realmente adequados e estão servindo aos propósitos de reduzir o ruído nas comunidades próximas aos aeroportos? Se as condições e métodos estatístico evoluírem, podemos usar isso para avaliar de uma maneira geral o ruído.
Concluindo
Na minha visão a indústria brasileira tem sido muito feliz em manter um bom relacionamento com a academia, mesmo havendo bastante segredo industrial. No entanto, a complexidade requerida hoje para se certificar uma aeronave é algo que não é para qualquer profissional. Essa área é extremamente complexa e pouquíssimos chegam no nível de discussão e de entendimento do assunto como esses profissionais. Então fica aqui meu agradecimento aos organizadores e pela oportunidade de cobertura do evento. Espero que tenhamos mais desafios com mais tipos distintos de aeronaves nos próximos anos e que seja possível criar conhecimento e inovação sem barreiras quanto ao uso do espaço aéreo, sempre respeitando os ouvidos e com isso a saúde e o bem estar.
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