Quem não ouve não aprende: acústica no aprendizado
Quando pensamos em sala de aula, normalmente não imaginamos o quanto é importante considerar a acústica no aprendizado de todas as pessoas. Mas o que aconteceria se um aluno não conseguisse aprender devido ao não entendimento do que o professor fala? Parece algo inconcebível não? Nem tanto!
Nossa linguagem é composta de vogais e consoantes. As vogais são os sons com maior energia e que permite a fluidez da fala. As consoantes, entretanto, são os sons que permitem a distinção das palavras. Já pensou na diferença entre “mala”, “fala”, “vala” e “bala”? A sonoridade destas palavras é bastante parecida, mas o que faz com que consigamos distinguir uma da outra é a primeira consoante. E se uma sala possuir um desempenho acústico que mascare, ou melhor, não permita entender o som desta consoante? O que iria acontecer? Imagine um aluno que está aprendendo a escrever, e que ele escreve baseado naquilo que ele ouve…
Sabemos que nossa audição abrange uma faixa de frequências que conseguimos ouvir. A faixa de audição média de um ser humano varia entre 20Hz e 20.000Hz. Quanto menor esse número, mais grave é a frequência. Quanto maior, mais agudo. Em nossa linguagem, as vogais estão na faixa de frequência mais grave chegando nas médias frequências, em torno de 200Hz a mais ou menos 1000Hz. As consoantes estão na faixa de frequência dos agudos, em torno de 2000Hz a 5000Hz. Mas como projetar uma sala de aula que auxilie no aprendizado?
Um dos assuntos que se estuda em acústica no aprendizado é a inteligibilidade da fala. Uma das maneiras de se medir a inteligibilidade da fala é medir a quantidade de perda de consoantes. Como é a consoante que determina a diferença entre uma ou outra palavra, se uma pessoa não consegue entender uma consoante, ela perde aquela palavra. Dentro de uma frase, o cérebro pode tentar entender o contexto e predizer a palavra perdida, mas além de um gasto maior de energia, existem situações em que isso pode dar muito errado… Acho que todos nós já brincamos de telefone sem fio, e rimos no final da brincadeira certo? É justamente isso!
Uma outra maneira de medir a inteligibilidade é medir um parâmetro chamado STI – Speech Transmission Index ou Índice de Transmissão da Fala. Esse parâmetro é literalmente medido com um alto-falante que simula uma boca, possui a mesma direcionalidade e faixa de frequência emitida pela fala de uma pessoa. O parâmetro STI é diretamente influenciado pelo ruído já presente no ambiente e pelo tempo de reverberação. Vamos entender um pouco mais sobre isso.
O tempo de reverberação, como já comentado em um post anterior pelo Eng. Pablo Serrano, é o tempo que o som leva para se tornar inaudível após uma fonte sonora ser interrompida. Se você for numa igreja e falar rapidamente a letra “a” o tempo de reverberação é o tempo que o som leva para você deixar de ouvir aquele “a” que você emitiu. Claro que uma sala de aula não tem o mesmo tempo de reverberação de uma igreja, mas algumas estão quase lá. O problema do tempo de reverberação alto em uma sala de aula é que as vogais possuem muito mais energia do que as consoantes. Se possuem mais energia, significa que ouvimos as vogais com maior volume. Se a sala tem um tempo de reverberação alto o suficiente para que o som de uma vogal fique por alguns instantes ecoando na sala, e logo em seguida falamos um consoante que possui energia menor que a vogal emitida, um fenômeno acústico pode acontecer: o de mascaramento sonoro. Se a energia sonora da vogal for grande o suficiente, devido ao prolongamento causado pela reverberação da sala, a consoante seguinte pode ser mascarada (sobreposta) pela vogal. E como já vimos, se perdemos uma consoante, perdemos parte da palavra, se não ela toda.
No caso do ruído, o mesmo pode acontecer. Se um ruído presente na sala de aula, como um ventilador ligado, ou o ruído dos carros na rua, ou mais comum ainda em escolas, o ruído da sala de aula vizinha ou do pátio da escola, for alto o suficiente, ele pode também mascarar o som de determinadas consoantes e até mesmo algumas vogais. Se entendemos apenas parte do que é falado, aprendemos apenas parte do que é ensinado. O ruído é muito mais pernicioso do que apenas atrapalhar o entendimento das palavras. Quando expostos ao ruído, as pessoas tendem a se dispersar, perder a concentração, se tornar mais irritadas e no caso do professor, para compensar o ruído externo, seu cérebro automaticamente o incentiva a falar mais alto. Isso pode causar fadiga, stress e problemas nas cordas vocais chegando a casos extremos de problemas cardíacos e psicológicos.
Disso podemos tirar que o projeto acústico adequado de salas de aula deve contemplar um baixo tempo de reverberação e baixo nível de ruído de fundo. Simples não? Nem tanto. Em certos países como Estados Unidos, Inglaterra, países Nórdicos, Nova Zelândia, entre outros, há diretivas e normas para o projeto acústico adequado de escolas. A Diretiva BB93 da Inglaterra por exemplo, além de fornecer as diretrizes para adequação acústica de cada ambiente escolar, como sala de aula, corredores, salas de música, bibliotecas, etc, fornece também quais sistemas construtivos atendem o desejado desempenho.
E o Brasil? Infelizmente no Brasil não há lei, diretiva ou norma que direcione o projeto acústico de escolas. A NBR10152 propõe o valor do nível máximo de ruído de fundo em salas de aula e bibliotecas. Mas a norma não é lei e portanto nem mesmo o estado se preocupa em cumpri-la. No caso do tempo de reverberação, a NBR12179 não estabelece claramente um valor recomendado para salas de aula. Recentemente, no Estado de São Paulo, a FDE – Fundação para o Desenvolvimento da Educação, lançou uma série de catálogos técnicos com recomendações a respeito do projeto arquitetônico de escolas públicas. Entretanto, as recomendações referentes à acústica são superficiais, longe da especificidade apontada por normas como a ANSI 12.60 nos Estados Unidos ou mesmo a BB93 Inglesa.
As pesquisas mostram que no Brasil, as salas de aulas públicas possuem os dois problemas citados, alto ruído de fundo e alto tempo de reverberação. E é por isso que as pesquisas nesta área no Brasil são de fundamental importância. Através das pesquisas e das publicações, estamos constantemente avaliando escolas, apontando os acertos e levantando os erros. E claro, fornecendo ou indicando as soluções. O processo é lento, entretanto a sociedade cada vez mais toma conhecimento do problema e se predispõe a participar, a cobrar, a reivindicar soluções.
Um grande abraço a todos e continuem participando e comentando no blog!
Alexandre Maiorino é formado em música pela Unicamp, mestre em engenharia civil pela FEC – Unicamp na área de acústica e está concluindo seu doutorado em Arquitetura pela FEC – Unicamp em acústica. Trabalha há 30 anos como engenheiro de áudio, com especialidade em gravação de música erudita. Tem prestado consultoria acústica pelos últimos 8 anos. Realiza pesquisas na área de acústica de salas, acústica no aprendizado escolar e acústica ambiental.
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