Acústica ambiental – ruído em parques eólicos
Os investimentos na diversificação da matriz energética do Brasil ganharam força nos últimos anos. Segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), até meados de 2018, mais de 520 parques eólicos foram instalados no Brasil. Isso significa aproximadamente 6.600 aerogeradores em operação, sendo 80% na região Nordeste. As vantagens do desenvolvimento da indústria eólica no Brasil estão associadas a fatores ambientais, por se tratar de uma energia renovável e amplamente disponível, com baixo impacto ambiental na implantação e na operação. Além disso, do ponto de vista social e econômico, o mercado eólico e sua cadeia de suprimentos fomentam a instalação de indústrias, a geração de empregos e aumento da renda em regiões de baixo desenvolvimento. Neste artigo pretendemos dar uma visão do ponto de vista da engenharia acústica, de forma a alertar sobre os possíveis impactos desta tecnologia na poluição sonora.
Fonte: https://exame.abril.com.br/blog/primeiro-lugar/shell-vai-investir-r-15-bi-em-energia-eolica/
Fato desconhecido por muitos, no entanto, o ruído da operação dos aerogeradores pode levar a problemas sérios de incômodo na vizinhança destes equipamentos a partir do posicionamento deles em regiões habitadas. Isso pode causar conflitos sociais devido à ausência de aceitação pública fundamentada em direitos básicos e comuns a todos os cidadãos. São eles o direito:
- ao silêncio,
- ao bem-estar,
- à saúde,
- à qualidade de vida.
A temática, portanto, situa-se na interseção dos processos sociais, políticos, econômicos e ambientais que orientam as implicações territoriais e estratégias de implantação dos parques eólicos.
Na maioria dos casos, os parques eólicos são implantados em áreas rurais, nas quais o ruído ambiente é significativamente baixo. De acordo com a NBR 10.151 – norma utilizada para avaliação da paisagem sonora de acordo com o zoneamento – estas áreas podem ser enquadradas como áreas de sítios e fazendas, nas quais o nível de pressão sonora ponderado não deve ultrapassar 40dB durante o dia e 35dB durante a noite. Para se ter uma idéia do que esses valores representam, se ficarmos em silêncio dentro de um quarto com todas as janelas e portas fechadas, em geral conseguimos atingir cerca de 35 dB. Imagine agora que a norma técnica diz que esses níveis tem que ser almejados em ambientes rurais externos.
Fonte: https://www.shutterstock.com/fr/search/wind+turbine+concept?searchterm=wind+turbine+concept&search_source=base_related_searches&page=2§ion=1
Como evitar problemas associados ao ruído de parques eólicos
Para evitar o impacto sonoro na vizinhança e conflitos sociais, previamente à instalação do parque, ou fazenda, eólica; medidas preventivas ao ruído devem ser consideradas. No Brasil, os instrumentos de licenciamento ambiental exigidos pelos órgãos ambientais brasileiros são importantes para isentar os parques eólicos e resguardar as comunidades vizinhas dos impactos ambientais negativos associados às atividades eólicas. Os processos de licenciamento ambiental devem ser acompanhados de estudos de predição do ruído, realizados a partir de medições in-loco e através de modelagens computacionais capazes de simular a propagação do ruído e a sua influência nas comunidades vizinhas ao parque. Os resultados são expressos em formas tabeladas ou gráficas em mapas de ruído, possibilitando estudar estratégias para adequação da operação dos parques aos critérios regulamentares. Um exemplo de mapa de ruídos de parque eólico pode ser visto na Figura 1:
Figura 1: Exemplo de mapeamento de ruídos de parque eólico
Fonte: http://ontario-wind-resistance.org/category/noise/
Para saber mais sobre mapas de ruído, leia o artigo “Mapas de ruído: casos brasileiros de sucesso”, postado no dia 11 de novembro de 2018 no blog do Portal. Acesse aqui: http://portalacustica.info/mapas-de-ruido-casos-brasileiros-de-sucesso/
As características particulares da propagação do ruído aéreo na área de influência dos aerogeradores implica na observância de parâmetros de cálculo fundamentais para a produção de resultados satisfatórios. O modelo de cálculo deve levar em consideração a influência na propagação sonora em virtude de fatores específicos, como as condições meteorológicas, a reflexão das ondas no solo e a topografia do terreno. Além disso, os dados de entrada para o cálculo de simulação devem considerar parâmetros metereológicos além das propriedades da fonte sonora, posicionamento, diretividade e nível de potência acústica das pás dos aerogeradores.
A ISO 9613-2 (Acoustics — Attenuation of sound during propagation outdoors — Part 2: General method of calculation), publicada em 1996, apresenta um modelo cálculo geralmente utilizado para estimar o nível de pressão sonora produzido pelos aerogeradores. O método é também utilizado para avaliação da propagação sonora do ruído de tráfego, ruído industrial, dentre outras fontes em ambientes externos. O resultado final do cálculo é dado pelo nível de pressão sonora contínuo, ponderado em A para um certo tempo de integração. Por ser um método de cálculo simplificado, a ISO 9613-2 traz uma série de limitações que podem influenciar de forma negativa os resultados da avaliação do ruído eólico. Estas limitações estão relacionadas, por exemplo, à desconsideração de condições meteorológicas importantes para a avaliação, como os gradientes e direção dos ventos que, por sua vez, estão associados à parâmetros de temperatura, umidade, etc. As limitações do modelo de cálculo da ISO 9613-2 levam ao desenvolvimento de novos métodos de cálculo, que hoje sendo investigados por pesquisadores.
Fonte: International Standards Organization
Nesse estudo, podemos elencar projetos de pesquisa e desenvolvimento que contemplam métodos de cálculo de incômodo subjetivo devido a modulação de amplitude causada pela rotação das pás dos aerogeradores. Outra linha de pesquisa visa avaliar a camada limite da terra, de forma que podemos usar simulação de alta fidelidade em escalas que reproduzam os gradientes de temperatura, pressão e velocidade de partícula, de forma a prever a velocidade do som em diferentes altitudes. Um melhor valor da velocidade do som de um grande volume é essencial para averiguar a difração das ondas sonoras devido a fenômenos que são objeto de estudo da aeroacústica.
Recentes tecnologias apontam para o uso de dispositivos de pequeno porte que são ligados em rede e fornecem informações através de sensores que capturam dados em tempo real e alimentam sistemas de big data. Nesta linha podemos citar o uso de VANTs ou drones pilotados com sensores de pressão, umidade, velocidade dos ventos e posicionamento georreferenciado. Esses veiculos hoje em dia estão muito mais acessíveis e permitem também fazer um mapeamento geográfico da área, auxiliando na elaboração de mapas cartográficos de alta fidelidade para sobreposição de diversas camadas de análise ambiental, como dispersão de poluentes diversos. São temas extremamente interessantes, mas que carecem de tecnologias integradas para permitir análises de engenharia preditiva.
Estratégias de controle e prevenção do ruído nos receptores
É possível controlar o ruído gerado pelos aerogeradores a partir de medidas de prevenção relacionadas à fonte sonora, ao caminho de transmissão e, em última instância, nos receptores (ouvintes próximos às fazendas eólicas). A redução do ruído na fonte está relacionada com as propriedades das máquinas, como a potência sonora e aspectos específicos da geometria e funcionamento dos elementos que constituem os aerogeradores, como as pás e os perfis das lâminas.
Com relação ao caminho de propagação sonora, sabendo-se que os aerogeradores são considerados fontes pontuais de ruído, pode-se considerar o decréscimo de 6 dB para cada duplicação de distância entre a fonte e o receptor. Isto significa que, se encontrarmos o valor para o nível de pressão sonora de 45 dB em um determinado receptor distante 300 metros do aerogerador, a 600 metros o valor salta para 39 dB nesta nova posição de audição. Esta relação entre a distância da fonte em relação ao receptor com a atenuação dos níveis de pressão sonora pode ser vista na Figura 2.
Figura 2: Atenuação dos níveis de pressão sonora em função da distância
Fonte: http://www.enggcyclopedia.com/2012/09/sound-pressure-level-sound-power-level/
O conhecimento do regime de ventos do local é igualmente capaz de trazer vantagens para a atenuação sonora até o receptor. Quando a direção predominante de vento se dirige do receptor ao aerogerador, ocorre acréscimo na atenuação em relação à situação sem ventos. Agora se o vento se dá na direção do aerogerador até o receptor, o incômodo do ruído no receptor é maior visto que não são formadas as zonas de sombra acústica.
Segundo considerações feitas em Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), por exemplo, para resguardar as habitações existentes na área de influência dos parques eólicos, adota-se como referência a distância de 500 metros entre o receptor e o aerogerador. A partir de 500 metros, o nível sonoro torna-se inferior a 35 dB (A) para certos aerogeradores e o ruído da turbina passa a ser imperceptível em relação ao ruído do ambiente, sem a presença do aerogerador. Mas observe que cada caso é um caso, e quem sabe o relevo, o horário do dia e outros fatores ambientais possa sugerir projetos com distâncias distintas entre o parque eólico e o receptor.
Em última instância, quando não é mais possível controlar o posicionamento dos geradores e nem se valer de barreiras ou outras medidas mitigatórias, recorre-se a medidas de prevenção nos receptores. Essa alternativa ocorre a partir de soluções que garantam o isolamento acústico dos sistemas construtivos das edificações residenciais, sobretudo nas baixas frequências. Esta opção torna-se viável para os casos de loteamentos urbanos vizinhos aos parques eólicos cuja construção seja posterior à implantação dos parques e não seja possível distanciar ainda mais as edificações dos aerogeradores.
Monitoramento do ruído durante a operação dos parques
Fonte: https://br.freepik.com/fotos-premium/engenheiro-masculino-com-desenvolvimento-de-energia-eolica-para-o-futuro_3475274.htm
O monitoramento do ruído durante a operação dos parques eólicos é de suma importância para obtenção de dados para trabalhar tal questão. A partir de medições sonoras regulares dos níveis de pressão sonora, pode-se armazenar o histórico do ruído ao longo de minutos, horas, dias ou meses, o que fornece muito mais informação para análise ambiental. A produção regular de relatórios e laudos permite a avaliação do atendimento aos limites de ruído aceitáveis determinados pelos órgãos ambientais competentes. No caso da observância de não conformidade com o estabelecido pela NBR 10.151 ou qualquer outra legislação local, o orgão fiscalizador pode aplicar multas às empresas de energia eólica. Os dados do monitoramento de ruído também auxiliam no planejamento e na escolha de estratégias de mitigação do ruído, tendo em vista dados reais de comportamento da poluição sonora.
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