Barreiras acústicas – Parte II
No artigo anterior sobre barreiras acústicas, introduzimos ao tema a partir de algumas explicações básicas sobre como este sistema de isolamento acústico funciona: explicamos para que servem as barreiras, do que geralmente são feitas e apresentamos os fenômenos físicos associados à propagação sonora em ambientes externos, na presença e na ausência de barreiras acústicas. Além disso, apresentamos o parâmetro conhecido por perda por inserção (IL da sigla inglesa de Insertion Loss), utilizado para avaliar a capacidade de atenuação sonora do sistema.
Figura 1: Exemplo de barreira acústica
Fonte: http://www.palram.com.au/acoustic_barriers
Na continuação da discussão sobre os conceitos e métodos por trás do dimensionamento de barreiras, temos por referência Maekawa (1968), que baseou seus estudos em um dos principais fenômenos físicos associados à propagação sonora: a difração (no caso, a modificação de um campo sonoro devido à colocação de um obstáculo, até então ausente, dentro deste campo sonoro).
A difração se relaciona com os comprimentos de ondas ou frequências da seguinte forma: quanto maior o comprimento de onda, ou menor a frequência, maior a difração da onda sonora na borda superior da barreira. Quanto maior o ângulo de difração, maior a região de sombra acústica, ou seja, maior a região que se encontra resguardada do ruído, onde os níveis sonoros são bastante reduzidos e, consequentemente, mais eficiente é a atenuação da barreira. Esta relação pode ser compreendida conforme ilustrado na Figura 1.
Figura 2: Comportamento da barreira acústica para diferentes frequências de ondas sonoras
Fonte: Samir, 1992.
Maekawa (1968) baseou sua pesquisa na teoria da difração de Kirchhoff-Fresnel, obtendo um gráfico de atenuação sonora em função de um parâmetro chamado número de Fresnel. A partir do gráfico, é possível relacionar o número de Fresnel com a perda de inserção (IL). Mas, afinal, o que é o número de Fresnel?
O número de Fresnel (N) é um parâmetro adimensional utilizado na determinação da atenuação de uma barreira acústica. Tem por objetivo calcular a atenuação dos níveis sonoros nos receptores (por perda de inserção) devido à presença de uma barreira. O número de Fresnel (N) relaciona a diferença dos trajetos das ondas sonoras difratada na borda da barreira e direta, transmitida através da barreira (δ), com o comprimento da onda sonora, podendo ser calculado por:
N = 2δ / λ, Eq. 1
Onde δ é a diferença dos trajetos por cima das barreiras e através da barreira; λ é o comprimento de onda.
Assim como a equação que trata da perda por inserção (IL), apresentada no artigo anterior, o número de Fresnel (N) é, igualmente, calculado em função da variável δ, que representa a diferença de percursos entre as ondas difratada e direta. Este parâmetro pode ser calculado pela seguinte expressão:
δ = a + b – c, Eq. 2
onde a, b e c representam as distâncias da fonte à borda superior da barreira, a distância entre o receptor e a borda superior da barreira e a distância entre a fonte e o receptor, respectivamente. Estas distâncias estão ilustradas na Figura 2.
Figura 3: Diferença de percursos entre ondas diretas e difratadas em barreiras acústicas
O gráfico sugerido por Maekawa, que trata da atenuação sonora em função do número de Fresnel é apresentado na Figura 3.
Figura 4: Curva de redução sonora em função do número de Fresnel (N), sugerido por Maekawa
Fonte: Kurze, 1971
É possível, a partir desta curva, estimar a perda por inserção da barreira em função do número de Fresnel, a partir da relação apresentada na seguinte equação:
A = 10log (20N), Eq. 3
onde, A é a atenuação por perda de inserção da barreira; N é o número de Fresnel.
Como podemos ver, a predição precisa do ruído ambiental e do desempenho acústico para dimensionamento de barreiras é baseada em diversos parâmetros, propriedades, cálculos e algoritmos matemáticos, sendo estudado por pesquisadores há muitos anos.
Existem, atualmente, softwares de modelagem baseados em algoritmos matemáticos específicos para predição do ruído ambiental, bem como o dimensionamento e a otimização de barreiras acústicas. Tais softwares são voltados para estudos ambientais e tratamento de fontes sonoras diversas, tais como indústrias, infraestruturas de transportes, dentre outras, servindo de suporte para a utilização de engenheiros, consultores acústicos, físicos, arquitetos e outros profissionais interessados em métodos de avaliação da acústica ambiental.
As limitações da aplicação de métodos matemáticos de predição do ruído ambiental são, muitas vezes, uma consequência da complexidade inerente aos fenômenos físicos associados a propagação sonora em ambientes externos. Segundo Probst e Huber (2014), a qualidade dos softwares de predição do ruído ambiental pode ser medida pela precisão, clareza e desempenho ou performance associados aos métodos de cálculo. A redução da qualidade dos softwares geralmente ocorre quando alguma das propriedades citadas é negligenciada, sendo que devem seguir normas técnicas.
Tendo em vista as dificuldades relacionadas à avaliação do ruído em ambientes externos, e visando garantir o equilíbrio entre as propriedades apresentadas e a qualidade dos resultados fornecidos pelos softwares, a série de normas ISO 17534 (ISO 17534-1:2015, Acoustics -Software for the calculation of sound outdoors -Part 1: Quality requirements and quality assurance) estabelece critérios para os algoritmos de cálculo de softwares de predição da propagação sonora em ambientes externos. Desta forma, a ISO 17534-1 estabelece parâmetros de qualidade com relação à avaliação realizada nos softwares, assegurando resultados aceitáveis.
De uma forma geral, a série ISO 17534 apresenta orientações para estudos de caso específicos, e para implementação da garantia de qualidade de métodos de cálculo em software, de acordo com a ISO 9613. A parte 3 da ISO 17534 (ISO/TR 17534-3:2015 — Acoustics — Software for the calculation of sound outdoors — Part 3: Recommendations for quality assured implementation of ISO 9613-2 in software according to ISO 17534-1), por exemplo, trata do controle da qualidade da implementação do método de cálculo da ISO 9613-2 (Acoustics — Attenuation of sound during propagation outdoors — Part 2: General method of calculation) em software. A Figura 5 revela a forma como a série de normas ISO 17534 é estruturada:
Figura 5: Série de normas ISO 17534
Fonte: International Organization for Standardization (ISO)
Com base nas determinações da ISO 17534, qualquer software de simulação acústica utilizado para predição do ruído ambiental, baseados em métodos de cálculos como CNOSSOS, RLS90, NMPB96, dentre outros, deve atender aos critérios de qualidade indicados. Por isso, na realização de um estudo para avaliação do ruído ambiental, ou mesmo para o dimensionsamento de barreiras acústicas. É importante certificar-se de que o método de cálculo implementado no software que estais prestes a adquirir está de acordo com os critérios de qualidade conforme determinado pela ISO 17534.
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Referências
Gerges, S. N. Y. Ruído: Fundamentos e controle Florianópolis, Copyright, 1992.
Maekawa, Z. Noise reduction by screens. Applied Acoustics, vol.1, pp.157 – 173, 1968.
Kurze, U. J.; Anderson, G. S. Sound attenuation by barriers. Applied Acoustics, 4:35–53, 1971.
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