Como medir a absorção sonora de um material acústico?
Essa pergunta é feita há décadas por projetistas e pesquisadores da área. Afinal, com o coeficiente de absorção de um material acústico, projetistas conseguem estimar os parâmetros objetivos e subjetivos de um ambiente, por exemplo o tempo de reverberação e o índice de inteligibilidade da fala. Normalmente dizemos que um material é acústico devido ao seu alto coeficiente de absorção, estes são amplamente utilizados na construção civil, na indústria automobilística e aeroespacial. A validação da modelagem e medição desses materiais acústicos é necessária para responder essa pergunta de quanto material acústico é necessário para cada aplicação. Portanto, trouxemos aqui uma breve compilação de mais de 60 anos de história sobre o tópico neste artigo para você.
Vemos cada vez mais projetos de condicionamento interno em ambientes de negócios sendo realizados, aprimorando o conforto acústico de espaços tanto comerciais quanto residenciais. Isso proporcionou uma crescente demanda por materiais acústicos que tenham um bom desempenho no coeficiente de absorção sonora, mas também possuam uma estética agradável que componha o design de interiores. Essa demanda está sendo aos poucos supridas por equipes de designers e consultores acústicos que aliam modelos matemáticos de alto nível com geometrias que apresentam apelo visual.
Impedância de superfície e absorção sonora
A impedância acústica, também conhecida como impedância acústica especifica, é dada como a razão entre a pressão sonora, uma grandeza de potencial, e a velocidade de partícula, uma grandeza de fluxo, em um determinado ponto a uma direção qualquer, definido pela equação abaixo:
na qual f é a frequência. Em condições livres de propagação de onda em um único meio, a pressão P( f ) e a velocidade de partícula U( f ) entram em fase e se obtém uma característica do meio de propagação, a impedância característica. A impedância característica independe da geometria do meio e pode ser definida pela densidade do material multiplicada pela velocidade de propagação sonora no material, dado pela equaçãoJá a impedância de superfície , que serve para quantificar a energia que se dissipa e retorna em uma interface que separa dois meios, é a razão entre a pressão sonora P( f ) e a velocidade de partícula U( f ) na direção normal desta interface. A partir da interação das frentes de ondas planas incidentes e refletidas, a impedância de superfície é deduzida para a interface entre um meio que esta em contato com o ar.
Conhecendo a impedância de superfície , o coeficiente de reflexão R , dado pela razão da energia refletida pela energia incidente pode ser descrito como, lembrando que é a impedância característica do ar, ou seja e é o ângulo de incidência. A partir do coeficiente de reflexão R, é possível então calcular o coeficiente de absorção,
Métodos Normatizados
Existem dois métodos de caracterização acústica de materiais definidos em normas, o método de tubo de impedância e o método em câmara reverberante, contemplados respectivamente na ISO 10534 e na ISO 354. Vamos tratar apenas de o método descrito na 10534-2, de função transferência por ser mais eficiente do que o método de onda estacionária. Vale apontar que a ISO 354 é o único método apresentado nesse texto que mede o coeficiente de absorção diretamente, diferente dos outros que primeiro se avalia a impedância de superfície ou coeficiente de reflexão para depois calcular o coeficiente de absorção.
O método de tubo de impedância se baseia no principio de ondas planas e na medição da pressão sonora em 2 pontos ao longo do tubo. Um ruído branco é gerado, amplificado e propagado pelo alto falante acoplado em um das terminações do tubo, na outra terminação do tubo é inserida a amostra a ser analisada. Utilizando técnicas de processamento é realizada a divisão espectral, ou a função transferência dos sinais de cada microfone. A resultante dessa função transferência é utilizada como entrada junto com as distâncias desses microfones até a amostra para calcular o coeficiente de reflexão. Com o valor do coeficiente de reflexão é então possível computar a impedância de superfície do material e seu coeficiente de absorção.
Devido as dimensões do tubo e o espaçamento entre os microfones, a ISO 10534-2 define a frequência de análise como sendo:
é o diâmetro interno do tubo e é a velocidade do som no ar. O método é bem eficiente, relativamente rápido, porém é necessário fazer o corte da amostra, testar ela em condições não praticáveis e para ter uma resposta confiável em baixa frequência é necessário um tubo muito grande.
O método descrito pela ISO 354 é provavelmente o mais utilizado dos normativos. Ele vem da teoria de Wallace Sabine, apontava que a razão na qual a reverberação desaparece é proporcional à razão na qual o som é absorvido. Basicamente o método consiste em medir a reverberação de uma câmara reverberante em duas condições: sem e com o material. Dada a área do material é calculado o coeficiente de absorção por incidência difusa (onda vindo de todas as direções, tipo uma ilha cercada de som ao invés de água) pela equação:
No qual S é a área do material, V o volume da sala e e são os coeficientes de absorção do ar, dada as condições de temperatura, umidade relativa e pressão atmosférica de cada medição. Se as condições do ar não alterarem entre as medições, então o último termo da equação é igual a 0.
É um método bem simples e entrega o coeficiente de absorção em condição de incidência difusa, o que ocorre também quando instalamos o material em um ambiente com múltiplas fontes (como pessoas conversando, ou um sistema de sonorização). Porém existem algumas limitações:
- A norma recomenda uma área de 10 a 14 m² de amostra para a medição para materiais de alta absorção, se o material for de baixa absorção, uma área maior seria necessária. Isso acarreta em altos custos de produção e logística apenas para inferir a absorção;
- É necessário uma câmara reverberante especial para o atendimento da norma, apenas laboratórios de grande porte possuem essa infra-estrutura;
- Coeficientes de absorção acima de 1 podem ser encontrados devido a efeitos de difração de amostra. Apesar de não ser fisicamente possível obter uma absorção acima de 1, esses valores indicam que a área do material é maior do que aparenta, acusticamente falando. Esse tipo de efeito é mais acentuado para amostras com área menor e que tem razão de aspecto diferente, como baffles, ou ainda nuvens que ficam acima da superfície da câmara. Por falar nisso, veja esse estudo de caso em vídeo, de aplicação de nuvens acústicas em um auditório de médio porte e como se obteve os tempos de reverberação.
Métodos in-situ
In-situ vem do latim e significa no local, técnicas in-situ são bem atrativas pela sua aplicabilidade, a amostra normalmente é bem menor, medições em amostras de 0,3 m² já foram realizadas pelo autor e se mostraram bem confiáveis. Além disso, não é necessário um ambiente especial, seu escritório ou sala de aula já pode ser o suficiente.
Existem diversas técnicas in-situ, diferentes níveis de complexidades, tipos de sensores e condições de campo (se é uma única onda incidindo de maneira oblíqua, ou várias gerando um campo difuso). Aqui serão expostas apenas algumas encontradas. A ideia é apresentar de maneira resumida, alguns conceitos chave de cada técnica e sua metodologia. Sugiro também assistir o vídeo do Pablo Serrano sobre amostras de material para avaliação in-situ realizadas em materiais aeronáuticos fabricadas por impressão 3D neste link.
Música para medir
Imagine que você está numa cafeteria, lotada de pessoas conversando, provavelmente não pensarias que seria possível medir a absorção de um material nessas condições, certo? Errado! Um grupo de pesquisadores japoneses se aproveitaram do ruído residual de campos reverberantes para obter a impedância de superfície de uma amostra porosa.
Considere 2 microfones posicionados muito próximos a uma amostra, 1 e 3 cm de distancia. O microfone mais distante vai representar a onda incidente e o microfone mais próximo a onda refletida. É uma simplificação, mas é bem eficaz. 30 segundos de medição do ruído residual são tomados, a cada segundo, a função transferência dos dois microfones é realizada, para no final a média ser calculada.Então a média da função transferência é inserida na equação que “recupera” a impedância de superfície, bem similar a ISO 10534. Essa técnica é conhecida como EAnoise [1], é relativamente recente, a primeira publicação data 15 anos. O grande atrativo é simplicidade do experimento, 2 microfones, placa de aquisição e o processador e pronto.
Quando o ruído residual não é suficiente, fontes em movimento emitindo som aprimoram a distribuição modal no ambiente, gerando energia complementar para a medição. Porém a técnica é limitada para uma frequência de análise até 2000 Hz. Veja abaixo o coeficiente de absorção de uma amostra porosa conhecida, medido em uma sala de estudo utilizando música como ruído complementar [3].Desbravando novas tecnologias
Você sabia que é possível medir a impedância específica diretamente? É só medir a pressão e a velocidade de partícula em um mesmo ponto, simples assim. Porém o sensor que é capaz de medir essas duas quantidades em um mesmo ponto só foi desenvolvido no inicio desse século. O sensor de pressão e velocidade de partícula ou sensor PU é uma ferramenta poderosa e de alto valor, com diversas aplicações, inclusive a medição da impedância de superfície.
Um dos primeiros pesquisadores a avaliar a eficiência desse sensor para caracterizar materiais foi o Dr. Eng. Eric Brandão (linkedin: https://www.linkedin.com/in/eric-brand%C3%A3o-a4233062/).
Trabalhando com sensor PU, Brandão utilizava um shock-mount, dando suporte para um sistema de fonte – receptor. Posicionando o receptor próximo a amostra, a fonte emitia um sinal curto, que era então captado pelo sensor PU e transformado em informações sobre a pressão e velocidade de partícula.
Essas informações eram processadas e otimizadas graças à modelos de propagação esférica e métodos iterativos, complexo, porém extremamente eficiente. Propôs ações que acarretariam na redução da incerteza associada ao posicionamento deste sensor. Resultados de alta precisão de 80 Hz a 10.000 Hz foram observados [1], um grande avanço comparado a outras técnicas in-situ.
Essa ferramenta foi desenvolvida meio sem querer pelo fundador da Microflown, Hans Elias de Bree. Um cara brincalhão, que num momento de frustração durante seu doutorado, gritou com o aparelho sendo desenvolvido e notou que captava diferenças de fluxos de ar. Ao discutir o caso com seu orientador, indagando-se sobre uma nova descoberta, a medição da velocidade de partícula, este não acreditava no potencial do “erro”. Porém, De Bree não deixou de lado e investiu no que acreditava. Hoje o sensor PU da Microflown é único no mercado que possui a qualidade equiparável das grandes marcas de sensores acústicos.
Alternativas
Todas as técnicas in-situ apresentadas até agora, são exemplos de aplicação dos sistemas medição PU e PP. De maneira análoga, é possível utilizar a música para medir com PU ou criar um sistema fonte-receptor com dois microfones (PP).
Porém as alternativas não param nesses dois sistemas. Arranjos de microfones ominidirecionais variam de 1 até centenas microfones, dispostos nas mais diversas geometrias. Quanto maior a quantidade, mais complexas e robustas ficam as medições.
Pesquisando sobre o assunto, a Portal acústica encontrou exemplos bem curiosos:
- Um sistema com 8 microfones distribuídos em uma esfera rígida, possibilitando a decomposição do campo de pressão e velocidade de partícula de maneira 3D. A partir destas quantidades, já vimos que podemos medir tanto a impedância quanto a intensidade sonora, mas essa técnica permite a imageamento sonoro;
- A utilização de dois microfones cardióides, patenteado como sistema CC. É uma técnica bem recente e necessita de mais estudos. O promissor do sistema é que é possível captar a pressão e a velocidade de partícula em um único ponto, similar ao sistema PU e o processo de calibração é mais simples. Diferente do sistema PP os microfones são posicionados na horizontal.
Independe de qual técnica ou sistema a ser utilizado, é sempre importante que os dados sejam analisados apropriadamente, isto é, com análises estatísticas. Variações sempre existirão e não há como nos desviamos disto. Quando observamos um laudo técnico de um material, precisamos ter a noção de que o o valor do coeficiente de absorção apresentado possui uma certa variabilidade que em geral é da ordem de 10%.
Técnicas normativas possuem uma ampla gama de estudos sobre incertezas e variabilidade com os conhecidos testes round robin. Já técnica in-situ depende bastante da pesquisa e é aplicada em ambiente laboratorial. Técnicas baseadas em modelos de propagação sonora esférica apresentam resultados mais robustos, porém são mais custosos e difíceis de compreender. Quando simplificamos os procedimentos, podemos ter em mãos resultados verdadeiros, porém se ocorrer alguma variação, a explicação tem que ser longa e detalhada.
E você, já precisou do coeficiente de absorção de materiais para o seu projeto? Criou algum dispositivo acústico e gostaria de saber mais sobre este? Deixe seu comentário, compartilhe com o seus colegas, vamos discutir sobre o assunto.
Saiba mais sobre absorção sonora:
[1] TAKAHASHI, Yasuo; OTSURU, Toru; TOMIKU,Reiji. In situ measurements of absorption characte-ristics using two microphones and environmental“anonymous” noise.Acoustical Science and Technology,ACOUSTICAL SOCIETY OF JAPAN, v. 24, n. 6, p.382–385, 2003
[2] BRANDÃO, Eric; LENZI, Arcanjo; PAUL, Stephan. A review of the in situ impedance and sound absorp-tion measurement techniques.Acta Acustica unitedwith Acustica, S. Hirzel Verlag, v. 101, n. 3, p. 443–463,2015.
[3] CÂNDIDO, Sidney; BRANDÃO, Eric. Técnica EAnoise: Medição de Impedância de superfície in-situ utilizando ruído residual de campos reverberantes. Apresentação V SEGAV.
Artigo sensacional! Obrigado por compartilhar essas valiosas informações!