Caixa de ovo acústica: verdade ou mito?
Caixas de ovos são materiais que podem ser aplicados em paredes para melhoria do isolamento acústico: verdade ou mito?
Nos artigos anteriores, apresentamos os parâmetros e conceitos definidores das propriedades de isolamento acústico de sistemas construtivos. A capacidade de isolar o som por um sistema de vedação simples está diretamente relacionada com a sua massa, obedecendo a Lei da Massa, na maioria dos casos visto a frequência de ressonância do sistema e sua frequência de excitação. O isolamento acústico também está relacionado com a rigidez do sistema, principalmente no caso de vedações compostas, conforme os princípios dos sistemas massa-mola-massa.
Caixas de ovos são materiais leves, não possuem peso significativo, ao contrário de paredes grossas e densas (muita massa), com altos valores de Perda de Transmissão (PT) ou Índice de Atenuação Sonora (R). A ideia de que as caixas de ovos podem funcionar como materiais de isolamento acústico é erroneamente difundida visto que o material está longe de possuir efeitos satisfatórios. Portanto, em termos de isolamento acústico, esse dito popular da caixa de ovo é mito! Isso também acontece com os blocos de isopor, portanto fique ligado…
Outra dúvida que pretendemos desmistificar com relação ao uso de caixas de ovos diz respeito ao seu desempenho enquanto material de revestimento acústico. Será que a caixa de ovo contribui para o condicionamento acústico das salas? Vale lembrar, mais uma vez, a importância da diferenciação entre as propriedades de isolamento e condicionamento acústico dos materiais, sendo ambos os princípios parte do escopo do tratamento acústico de salas.
O isolamento acústico relaciona-se com a capacidade de um sistema em vedar a transmissão do som entre ambientes. Os materiais de isolamento acústico são, geralmente, materiais de grande massa/inércia, como alvenarias especiais, sistemas especiais de piso, paredes em Drywall, sistemas mistos de alvenaria e Drywall, lajes, portas, esquadrias acústicas.
O condicionamento acústico têm por objetivo controlar a reverberação no interior dos ambientes, de acordo com a geometria e finalidade de uso do mesmo, além de adequar o ambiente conforme parâmetros objetivos como a inteligibilidade da fala, a redução do nível de ruído interno, clareza das notas musicais e melhoria da audibilidade. Os materiais de condicionamento acústico são, geralmente, materiais de revestimento com propriedades acústicas certificadas de reflexão, absorção e difusão, aplicados em sobreposição aos sistemas de vedação (paredes, lajes de piso e teto).
Ok, ficou entendido que as caixas de ovo não são capazes de isolar o som, mas seria este material capaz de melhorar a qualidade da acústica de salas? Seriam as caixas de ovo bons materiais para condicionamento acústico de salas?
Todos os materiais de revestimento possuem propriedades de reflexão, absorção e difusão, além do som passar através deles de acordo com a frequência do som incidente e a geometria do material. A onda sonora incidente em um material tem seu comportamento influenciado por estas propriedades. Os fenômenos estão representados na Figura 1 abaixo, e explicados nos parágrafos subsequentes.
Figura 1: Reflexão, absorção e difusão
Fonte: http://www.build.com.au/reflection-diffusion-and-absorption-sound
A reflexão ocorre quando parte da onda sonora incidente na superfície de revestimento retorna para o ambiente de origem. Cada material possui um coeficiente de reflexão (parâmetro utilizado para definir a quantidade de energia refletida por um material), que é dependente do coeficiente de absorção (α). O coeficiente de absorção indica a razão entre a energia sonora incidente no material e a energia sonora absorvida, com variações numéricas na escala de 0 (zero) a 1 (um), onde zero indica que todo o som retorna por reflexão ao ambiente de origem (100% da energia incidente é refletida ou transmitida) e um indica que nenhuma energia sonora é refletida ao ambiente de origem (100% da energia é absorvida). O coeficiente de redução sonora (noise reduction coefficient ou NRC) é a média aritmética dos coeficientes de absorção nas faixas de frequências centrais da sensibilidade do ouvido humano, de 250, 500, 1000, 2000 Hz. O coeficiente de absorção (α) é dado pela seguinte razão entre a energia sonora absorvida (Ea) e a energia sonora incidente (Ei).
Os materiais absorvedores do tipo “poroso” (dos quais, teoricamente, as caixas de ovo se enquadrariam) são, geralmente, espumas e lãs minerais. Estes materiais são constituídos por cavidades internas ou poros nos quais a energia sonora é convertida em calor, resultando na perda de energia da onda sonora incidente sobre o material e, consequentemente, na diminuição da quantidade de energia sonora refletida.
A semelhança no aspecto e geometria das caixas de ovo com materiais absorvedores do tipo “poroso”, comumente utilizados em estúdios, salas de cinema, auditórios, e outros, pode gerar confusão sobre a sua eficiência acústica. O aspecto irregular da geometria dos materiais absorvedores do tipo poroso permite uma maior quantidade de poros, visando aumentar a área de absorção e o melhor direcionamento das ondas refletidas para a superfície do material. No entanto, contrariamente a estes materiais absorvedores, a caixa de ovo não é um material puramente “poroso”, pelo contrário: são materiais geralmente feitos de papelão reciclado sem porosidade.
Figura 2: Material absorvedor tipo “poroso”, com propriedades acústicas
Fonte: https://mc-cases.com/isolation-acoustic-foam-pads-sound-insulation-foam
Podemos concluir, portanto, que a caixa de ovo não possui propriedades de isolamento acústico, e também não possui propriedades significativas de absorção sonora.
Outro fenômeno associado à acústica interna de salas é a difusão sonora. A difusão ocorre quando o som incidente em uma superfície é refletido para o ambiente de origem e redirecionado para um melhor espalhamento e distribuição sonora no ambiente. Os difusores são superfícies anguladas, articuladas com forma em geral irregular. Os difusores são capazes de ampliar o espalhamento acústico pelo uso de geometrias arredondadas, triangulares, cilíndricas ou esféricas. Geralmente, difusores são feitos com materiais reflexivos como madeira ou gesso, sendo muito utilizados em ambientes nos quais o som deve ser ouvido de forma homogênea (auditórios, teatros, home theaters, salas de aula, dentre outros). As superfícies difusoras são capazes de controlar a reflexão e a ação dos modos de acústicos das salas, inibindo as ondas estacionárias, que podem ser problemáticas. Estas, por sua vez, ocorrem quando duas ondas sonoras de mesma frequência, excitam uma sala e criam áreas de altos ou baixos níveis de pressão sonora em determinado ponto da sala. A onda estacionária, resultante da superposição das ondas, é decorrência da geometria da sala e caracteriza a formação de interferência de ondas destrutivas (anulação do som) ou construtivas (reforço do som).
Fonte: https://www.indiamart.com/proddetail/acoustic-diffuser-15225941055.html
Você já deve ter percebido, mais uma vez, que as caixas de ovo possuem certa difusão, mas estão longe de apresentarem utilidade enquanto materiais acústicos, visto que são sujos e chamam baratas e ratos para dentro do ambiente.
Se você está se alimentando de omeletes há meses, juntando caixas de ovos para aplicar nas paredes e teto do seu estúdio ou home theater, nossa sugestão é que você repense essa atitude porque além desses motivos acima, a caixa de ovo é extremamente inflamável.
Acústica não é brincadeira! Lembre-se sempre de consultar um profissional da área de acústica na hora de planejar o seu estúdio de rádio, TV, musical, ou outros.
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Opa Pablo. Tudo bom fera? Como sempre….muito bom o artigo. Bom…semana passada fizemos um experimento (bem simples é verdade) aqui na faculdade. E…bom…não sei se você conhece este tipo de análise: vou descrever de forma breve. Lembre-se…a intensão é contribuir para o debate e ciência. Pegamos uma caixa de papelão, do tamanho de um fogão de 6 bocas. Revestimos com isopor e depois com caixa de ovos. Esta que vc usou como exemplo. Pegamos um rádio, o ligamos – sempre no mesmo volume – e medimos, com decibelímetro, a energia gerada. Depois colocamos o som dentro desta caixa, já revestida de isopor – 2 cm de espessura. Medimos com o decibelímetro. Tiramos o isopor e colocamos o som, novamente dentro da caixa. Medimos como o decibelímetro. Revestimos internamente a caixa com a caixa de ovo – verdade que não fora totalmente revestida – e colocamos o som novamente dentro da caixa e medimos o som. Em todos os casos, quando comparado com o som fora da caixa, houve redução do som medido pelo decibelímetro e percebido pela audição. O isopor teve o melhor isolamento seguido da caixa de ovos. Não medimos o tempo de reverberação é verdade. Precisamos aprimorar este tópico. Som sem caixa, a 1,20 m do decibelímetro = 69,4 Db. Dentro da caixa sem revestimento = 66,2 Db. Dentro da caixa, revestida internamente com isopor=64Db. Dentro da caixa de papelão, revestida internamente com caixa de ovos = 67 Db (mas precisa ser feito novamente pois não revestimos toda a caixa. Revestimos as paredes mas não revestimos o fundo da caixa). Em síntese….a caixa de ovos…isola muito pouco e possui estes inconvenientes que vc apontou. O isopor deu um resultado melhor…até em termos de acabamento. Quero testar depois dobrando a espessura do isopor. Para resumir: a gambiarra até funciona….mas é muito precário em função do material industrializado. Fora estas desvantagens que você aponta.
Oi Tarcísio, interessante essa sua experiência. Qual era o tamanho desta caixa? Observe que para ambientes muito pequenos, podemos ter modos acústicos de comprimentos de onda em faixas mais altas de frequência, de forma que o nível medido com o decibelímetro vai variar muito dependendo da posição que você coloca o microfone. Para ter um bom parâmetro você tem que medir em diversas posições da caixa. Os métodos mais aceitos utilizam ambientes difusos, que não é esse o seu caso. Para uma avaliação mais global tudo bem, mas é um parâmetro que apresenta muita incerteza de medição.
Obrigado por compartilhar isso e que bom que você viu na prática que o isolamento desses elementos é irrizório.
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Eu já cai nessa de que caixa de ovo isolava o som, um dia enchi o quarto de caixas de ovos por causa do barulho que eu fazia com a guitarra e não funcionou mesmo kkkkk
Olá.
Eu tive uma boa experiência com as caixas de ovos. Verdade que elas não vedam bem por serem porosas.
Mas, para evitar o problema dos insetos e roedores, construí painéis para colocar em três paredes do ambiente, fazendo uma quarta ‘parede’ com uma porta para entrar e sair do que chamei de ‘caixote’. O piso foi feito com tábuas.
As dimensões do ‘caixote’ foram de. 2,20 em cada parede, incluindo um ‘teto’ e a entrada.
O detalhe é que, para evitar as pragas, apliquei verniz nos painéis com uso de um compressor e pistola de pintura. Apliquei o verniz dos dois lados e para preencher pequenas lacunas nas ligações entre uma cartela e outra antes de montar o cubículo (ou caixote).
Houve melhora perceptiva no isolamento – talvez pelo verniz preencher os poros do material..
Houve aumento da temperatura, o que foi solucionado com um tubo de 5 metros que separava o condicionador de ar da estrutura.
Gravamos sem muitos problemas.
Olá João Cerino, muito obrigado pela sua contribuição. Quando você passou verniz no material, além de fechar os poros, a densidade se alterou, o que pode ter contribuído no desempenho. Porém, essa categoria de solução não é indicada pelo risco à saúde: O material pode propagar chamas, estas podem ser toxicas.
A percepção de aprimoramento pode ter sido resultado do volume reduzido do “caixote” (Volumes menores possuem menores tempos de reverberação), dando a sensação de um ambiente mais silencioso.
Atenciosamente, Sidney Volney Cândido, monitor do Portal Acústica.
Olá, estou montando uma cabine para locução e gostaria de saber qual tipo de revestimento devo usar para isolar e melhorar a a acústica?
Obrigado!
Olá Marcelo,
o revestimento aparente em geral não isola o som, mas sim pode promover absorção e com isso melhorar a qualidade sonora interna no ambiente.
O que isola mesmo é os materiais empregados na estrutura das paredes da cabine.
Abraços,
Pablo Serrano