Projeto acústico para auditórios!
“A acústica está no topo das decisões de projeto dos espaços de escuta sensível ou edifícios sensoriais”, afirma José Augusto Nepomuceno, consultor da Acústica & Sonica. Entendidos como ambientes culturais esses projetos incluem museus, teatros, salas de ópera, cinemas, salas de música e estúdios de gravação. “O foco da discussão é que nos espaços de escuta sensível, como o próprio nome diz, a acústica deve governar as linhas mestras do projeto arquitetônico. Pegue alguns exemplos notáveis, em locais e com idades diferentes, todos terão a acústica orientando a arquitetura: Sala São Paulo, Berlin Philharmonie, Mc Dermott Symphony Center, Gran Teatro Nacional de Lima, Sala de Concertos de Stavanger, OperaEn de Copenhagen ou Suntory Hall em Tóquio”.
O papel da acústica deriva da atividade que ocorre em cada um dos ambientes de escuta sensível. “Nos cinemas a acústica é importante, mas tem pouco impacto na volumetria e geometria do local. Já nas áreas de leitura das bibliotecas e nos museus é um complemento na área do conforto, enquanto que os seus ambientes de escuta ou de áudio e vídeo são locais sensíveis acusticamente”, ensina.
A acústica está no topo das decisões de projeto dos espaços de escuta sensível ou edifícios sensoriais
Nos teatros, a acústica objetiva a percepção sensorial do local: máxima inteligibilidade da palavra, clareza musical, proximidade, envolvimento, tendo o silêncio como base. “Estes fatores estão diretamente relacionados ao que no Brasil é dificílimo de praticar: a geometria e a volumetria do espaço, o planejamento das instalações, e não exatamente os acabamentos. Trabalhamos em teatros e salas de música com as tensões da relação espaço-tempo”, enfatiza, alertando que num cinema a acústica trata de ‘matar’ a arquitetura para que o som do sistema amplificado seja controlado, sem as reflexões sonoras das paredes. “Esta mesma abordagem num teatro seria desastrosa”, diz.
Lamentavelmente, esta abordagem imperativa da arquitetura ainda é muito presente nos projetos brasileiros, mas o cenário começa a mudar. A cada novo projeto o entendimento de que a acústica dos espaços sensíveis governa a geometria e a volumetria (arquitetura do interior) é mais e mais entendido e aceito
RECURSOS
Entre outros recursos projetuais, o consultor destaca os modelos físicos em escala que utilizou em projetos acústicos como os da Sala São Paulo, no Nashville Symphony Hall (EUA), na Sala Minas e no Gran Teatro Nacional de Lima. “É muito interessante poder estudar a resposta acústica durante as fases iniciais do projeto. Graças aos modelos físicos, estes projetos foram redesenhados e ajustados. Os modelos computacionais não fornecem este mesmo tipo de precisão ou de informação”, afirma e ressalva que o custo e os prazos envolvidos só são viáveis para grandes projetos. Em projetos com geometrias complexas são úteis os softwares de projeto associados com simulação acústica.
Segundo Nepomuceno, hoje existem muitas opções de materiais para aplicação em locais de escuta sensível, como placas de difusão e absorção e isoladores de vibração especiais. “Também descobrimos a possibilidade de coexistência pacífica entre acústica e materiais que eram ‘banidos’ pelos profissionais do setor, como vidros em salas de música. O projeto do Mixon Hall em Cleveland é um exemplo”.
ARQUITETURA X ACÚSTICA
Depois do desastre na década de 1960 do New York Symphony Hall – hoje o Avery Fisher Hall –, o Mc Dermott Concert Hall, em Dallas, inaugurado em 1989, é um divisor de águas: os honorários da consultoria de acústica mudaram de patamar em alguns zeros; a acústica foi tirada do limbo de ‘projeto complementar’ e passou a ter efetivo destaque no processo; os clientes passaram a compreender a importância da relação entre acústica e arquitetura; e os teatros agora são desenhados para os usuários como orquestras, atores, produtores e não apenas para o público
A relação entre arquitetura do edifício cultural e a acústica é, de acordo com o consultor, um terreno explosivo e que gera a maior quantidade de conflitos. Ou seja, a resposta acústica de salas de escuta sensível depende da arquitetura. “Se queremos um determinado tipo de sonoridade, a sala deve ser desenhada de uma determinada forma”, diz e compara: “É difícil que uma flauta soe como um violino, ou que uma sala retangular soe como uma circular”.
Uma das principais propriedades acústicas de salas de escuta sensível são as reflexões sonoras laterais, o que depende basicamente da largura e da forma da parede. “Ora, se o dimensionamento da sala é feito a partir da abordagem de que ‘a arquitetura quer assim’, os músicos receberão a quantidade de reflexão lateral definida pela arquitetura e não pela necessidade daquele uso. Lamentavelmente, esta abordagem imperativa da arquitetura ainda é muito presente nos projetos brasileiros, mas o cenário começa a mudar. A cada novo projeto o entendimento de que a acústica dos espaços sensíveis governa a geometria e a volumetria (arquitetura do interior) é mais e mais entendido e aceito”, ensina.
QUANDO FALTA EFICIÊNCIA
De acordo com Nepomuceno, os clientes começaram a entender que muitos dos problemas acústicos e operacionais de teatros residem em projetos arquitetônicos incorretos. “Tirar o projeto arquitetônico do foco e vir com a máxima que ‘o consultor em acústica é quem responde por isto’ já não convence. Isto sem falar na dilapidação que muitos projetos sofrem durante a construção”, comenta.
O projeto acústico para obras de reforma ou de requalificação desse tipo de ambiente é muito particular, depende de cada caso, do estado da edificação e do programa de uso. O consultor conta que encontrou enormes desafios ao participar dos projetos da Sala São Paulo e da Sala Cecília Meireles, onde lidou com limitações estruturais, espaços reduzidos e expectativas difusas. “Já no projeto acústico de reforma da Boston Opera House o trabalho foi menos desafiador e mais comedido. Meus colegas de escritório trabalharam na atualização do Teatro de El Paso (Texas) e estabeleceram um novo padrão acústico para um local existente. Participei também do projeto do Park Avenue Armory em (Nova York), desenvolvendo os modelos acústicos. O desafio neste projeto foi a adequação acústica com o mínimo de interferência na arquitetura existente – situação muito diferente da Sala São Paulo”, relata, acrescentando que nos projetos em que a reforma foi global, como o Covent Garden, em Londres, ou na Opera de Dresden, o desafio é enorme, porque estabelecem novos padrões acústicos e de sonoridade.
AVANÇOS
Nepomuceno ressalta que há dois grandes avanços recentes no processo projetual de espaços acusticamente sensíveis. “O primeiro é reconhecer que a acústica deve estar no topo da decisão de projetos. Depois do desastre na década de 1960 do New York Symphony Hall – hoje o Avery Fisher Hall –, o Mc Dermott Concert Hall, em Dallas, inaugurado em 1989, é um divisor de águas: os honorários da consultoria de acústica mudaram de patamar em alguns zeros; a acústica foi tirada do limbo de ‘projeto complementar’ e passou a ter efetivo destaque no processo; os clientes passaram a compreender a importância da relação entre acústica e arquitetura; e os teatros agora são desenhados para os usuários como orquestras, atores, produtores e não apenas para o público”.
O segundo avanço é mais recente. Os processos de modelagem e análise espacial relevaram possibilidades formais para salas de escuta crítica, até então um terreno não explorado. “São universos de geometria e volumetria novos na história da sala de concertos e que devem ser analisados nas relações espaço x tempo”, finaliza Nepomuceno.
O FANTASMA DO PHILHARMONIC HALL EM NOVA YORK
Por José Augusto Nepomuceno
Há 52 anos, o fantasma do New York Philharmonic Hall assombra as equipes que projetam salas de concerto. Particularmente para os acústicos, ele é o temor dos temores. A sala foi inaugurada em 1962 e logo no primeiro concerto foram percebidos problemas acústicos. Após sucessivas correções – coordenadas de forma oportunista como geralmente ocorre nestas situações – a sala teve seu interior totalmente demolido.
Graças a uma doação de Avery Fisher a sala foi reconstruída e inaugurada em 19 de outubro de 1976 como o Avery Fisher Hall. O novo projeto acústico resultou em uma sonoridade medíocre – que permanece até hoje. Reformas pontuais foram feitas no palco no início dos anos 90, resultando em alguma melhoria para a orquestra, mas nada entusiasmante.
O histórico dos envolvidos na acústica é interessantíssima. Este projeto reuniu na mesma equipe três dos maiores gênios da acústica arquitetônica moderna: Leo Beranek, Russel Johnson e William Cavanaugh. Desenvolvi amizade profissional com os três e mais particularmente com Bill Cavanaugh, que entrevistei para uma revista. Ele me disse: “Tínhamos tanta certeza do que estávamos fazendo que não fizemos um modelo de teste. E você deve lembrar que após o primeiro concerto tantas pessoas palpitaram, que o nosso projeto só foi mesmo ajustado uma vez, depois foram ajustes dos ajustes”. Tiveram uma sala demolida por problemas acústicos e, mesmo assim, são as referências fundamentais para as salas de música. Lendas vivas (no caso, Russ já faleceu). Para se ter uma ideia, eles são citados em memoriais de projeto como ‘normas’ e não como pessoas.
A lição do Pilharmonic Hall é dura quanto às ‘pequenas intervenções da arquitetura’ e o tamanho do problema associado. Depois do Hall e definitivamente depois do Mc DermottConcert Hall, em 1989, a acústica ganhou uma posição de absoluto destaque nas salas de concerto.
Em 2009 ajudei Beranek – que completa 100 anos em setembro próximo – a montar o power point de uma palestra em Nova York. Ao passar no laptop vi que havia um slide em branco e chamei a atenção. Ele me respondeu: “É o Philharmonic Hall que foi demolido. Agora vocês sabem como fazer”. Como que uma indicação da picada que eles tinham aberto.
No final da tarde, o modo de projetar salas de concertos e teatros nunca mais foi o mesmo.
Fonte: AecWeb
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