Tendências inovadoras para gestão da paisagem sonora urbana
Seriam as práticas atuais de governança incompatíveis com a política em benefício das gerações futuras? A BBC publicou recentemente uma matéria descrevendo os governos atuais como “míopes”, isto é, negligentes às demandas de longo prazo, ao alcance das gerações futuras. Na contramão do imediatismo que rege as decisões políticas, a matéria destaca iniciativas de países como Canadá, Estados Unidos, Finlândia e Japão, para criação de grupos e políticas de incentivo à elaboração de práticas de governo que garantam os direitos básicos de vida para a sociedade daqui a 30, 50, 100 anos. Leia na íntegra o artigo AQUI. Mas entre os temas de maior relevância estão as formas de poluição ambiental, sendo que a segunda maior poluição é a sonora, segundo a OMS. A criação de uma paisagem sonora agradável em centros urbanos é algo bastante complexo, diga-se de passagem, e vale um aprofundamento aqui no Portal Acústica.
De olho no futuro: novas tecnologias e a participação pública na gestão acústica ambiental e urbana.
No Canadá, por exemplo, o cientista David Suzuki propõe a inclusão de grupos parlamentares compostos por cidadãos sem afiliações políticas para tratar unicamente de estratégias de longo prazo, como mudanças climáticas e perda de biodiversidade.
A matéria nos levou a refletir sobre as tendências da gestão do clima acústico das cidades no futuro. Esperamos, cada vez mais, que as políticas urbanas incluam no cerne de seus debates a necessidade da formulação de planos de ação e políticas urbanas a partir de métodos participativos, ou seja, com envolvimento social.
Atualmente, o mapa de ruído consiste na ferramenta mais amplamente utilizada para gestão e avaliação do ruído ambiental. O mapa sonoro é obrigatório aos países-membros da comunidade europeia, a partir da Diretiva 2002/49/CE. Esta ferramenta de gestão ambiental é muito importante para auxiliar os órgãos competentes na observância dos critérios da legislação ambiental do município, algo que é muito difícil hoje em dia e requer muitas pessoas e equipamentos para se fazer uma fiscalização eficaz.
Mas queremos olhar para além dos mapas acústicos. O avanço das tecnologias digitais é hoje uma realidade indissociável da maioria das áreas de conhecimento. Também na dinâmica de processos de planejamento urbano notam-se as facilidades dos avanços tecnológicos na construção de cidades mais escaláveis e sustentáveis.
Portanto, quais seriam as tendências para o desenvolvimento de ferramentas de predição do ruído ambiental neste contexto da indústria 4.0 e grande avanço da inteligência artificial?
Aplicativos para smartphones
Você gostaria de reportar o ruído no seu bairro de uma maneira fácil e intuitiva?
Fonte: https://phys.org/news/2017-09-mobile-application-scientists-environment.html
Alguns aplicativos de smartphones permitem aos usuários a avaliação do ruído ambiental, como é o caso do NoiseCapture: aplicativo livre e open source que permite ao usuário realizar medições sonoras e compartilhar os resultados, criando um banco de dados disponível aos demais usuários. Cada medição é associada a um trajeto GPS para que o resultado seja visualizado em mapas interativos. O aplicativo pode ser utilizado por qualquer pessoa, independente do conhecimento na área de acústica. A ferramenta permite que o usuário realize uma medição sonora em determinada localização, tire fotos do local medido (da área urbana avaliada) e insira uma descrição sobre a medição. Além disso, a ferramenta permite ao usuário que indique o nível de incômodo (desagradável ou agradável) ao ruído, e descreva as principais fontes sonoras avaliadas durante a medição. Ao final das medições e da inclusão de todas as informações, o resultado aparece plotado em um mapa, mostrando a localização dos pontos medidos e níveis obtidos em cada ponto. Na nossa opinião, apesar de não ser um sistema calibrado e homologado, mesmo que tenha certo grau de incerteza essa ferramenta pode ser útil para dar indicativos de zonas que requerem mais fiscalização, monitoramento e atenção do poder público.
Sistemas de Realidade Virtual
Fonte: https://www.rug.nl/research/ursi/casus/blog/casus-virtual-reality-lab-21-06-2018?lang=en
Muitos dos leitores já devem estar familiarizados com os sistemas de Realidade Virtual. Eles são utilizados com frequência nos setores automotivo, medicina, na indústria de games, dentre outros. Sistemas de Realidade virtual consistem em ambientes audiovisuais que proporcionam a experiência envolvente ao usuário, a partir da recriação de uma realidade e seus atributos físicos. Pois bem, para além das técnicas de simulação visual, já amplamente estudadas e aplicadas, os sistemas de Realidade Virtual também possibilitam a simulação virtual de cenários acústicos com grande realismo. A modelagem de ambientes virtuais que contemplam técnicas de aurilização facilitam, por sua vez, a interação do usuário com a ferramenta de avaliação sonora. Os sistemas e avaliações realizadas em âmbito de pesquisa nos mostram que é possível criar correlações entre a paisagem visual e a paisagem sonora. Isso é possível, de forma a criar ambientes subjetivamente confortáveis para ambos os sentidos, apesar da fraca experiência de realismo que se possa ter no ensaio.
As ferramentas de Realidade Virtual são capazes de auxiliar a elaboração de políticas de planejamento urbano a partir de um modelo de avaliação acessível ao público leigo. As políticas auxiliam na definição de medidas diversas como, por exemplo, a limitação do fluxo de tráfego, instalação de barreiras acústicas, controle do impacto sonoro de aerogeradores e infraestruturas de transporte.
Você sabe o que é aurilização?
Aurilização ou ainda auralização é o termo empregado em analogia ao conceito de visualização para descrever a simulação de campos sonoros artificiais. Vorlander (2008) define a aurilização como “técnica de criação de arquivos de sons audíveis a partir de dados numéricos (simulados ou gravados)”. A recriação artificial de um ambiente sonoro a partir das técnicas de aurilização permite reproduzir com o máximo de realismo os estímulos sonoros perceptíveis ao sistema auditivo do usuário posicionado em relação à fonte sonora virtual.
As técnicas de aurilização são hoje largamente utilizadas para avaliação da acústica interna de salas, permitindo a geração do som real audível do ambiente avaliado, a partir de técnicas de processamento de sinais acústicos. Existem softwares específicos com resultados de boa precisão e aurilizações fidedignas baseadas em bancos de dados de respostas acústicas entre a fonte sonora e uma cabeça artificial. Isso ocorre em laboratório de forma que a fonte sonora varia a posição e é calculada uma função entre esse par receptor (ouvido artificial) e fonte (caixa de som). A geometria da cabeça, da orelha, do torso do boneco e a posição de onde vem o som são armazenadas junto com a função (Head Related Transfer Functions – HRTF) de forma que é reproduzida na gravação que se deseja ter realismo. Para ambientes urbanos, a utilização desta técnica é, todavia, pouco difundida. As aplicações ficam mais restritas ao áudio para fins de pesquisa, desenvolvimento de caixas de som e de games.
Os processos de modelagem computacional para a simulação da paisagem sonora virtual podem ser classificados em diferentes níveis de complexidade. Os métodos semiempíricos podem ser simulados em um computador pessoal de maneira estatística e sem oferecer uma saída em áudio. Os métodos de média complexidade já calculam uma resposta básica da sala e podem ser experienciados pelos usuários de diversas formas, seja via fones de ouvido ou salas de audição. O objetivo da interface de Realidade Virtual é obter uma reprodução realística das informações sensoriais, por isso cada elemento conta na experiência como um todo. A reprodução ainda mais realística pode ser obtida a partir de técnicas de Realidade Virtual Imersiva (RVI), que consistem na sensação de envolvimento experimentada pelo usuário do ambiente virtual com respostas aos estímulos. O usuário sente-se inserido no ambiente e ao interagir com os seus elementos tem respostas táteis. O estímulo sensorial, nestes casos, é feito a partir da utilização de dispositivos específicos, como o capacete de visualização (Head-mounted display), as luvas de dados (datagloves) e os auscultadores (headphones), mas em um futuro próximo teremos dispositivos ultrasônicos que produzem sensações táteis de pressão nas mãos sem a presença de qualquer elemento vestível (wearable) e cabeado.
Mapas psicoacústicos, mentais e PPGIS
Fonte: http://ecosistemaurbano.com/portfolio/asuncion-masterplan-participatory-process/
A avaliação da paisagem sonora para fins de governança pode associar os mapas estratégicos de ruído aos mapas psicoacústicos e mentais, ou mapas obtidos a partir de uma plataforma de Sistema de Informação Geográfica com Participação Pública (PPGIS). Os mapas psicoacústicos e os mapas mentais recorrem à percepção subjetiva dos usuários, possibilitando identificar incômodos, preferências e significados do ambiente sonoro, servindo de suporte adicional aos mapas acústicos na determinação das medidas de redução do ruído.
O PPGIS torna possível a investigação das questões subjetivas da avaliação sonora relacionadas com os aspectos sociais da percepção ao ruído urbano. A partir do uso de técnicas “padrão” de participação e envolvimento, como:
- workshops,
- grupos de estudo,
- entrevistas,
- e exercícios de mapeamento;
o PGIS envolve a comunidade na produção de dados GIS e processos de tomada de decisão na esfera urbana. Pode-se, desta forma, verificar a consistência entre a delimitação dos contornos de ruído e as áreas identificadas pela comunidade como áreas onde há incômodo ao ruído, com estudos de uso e ocupação do solo.
Conclusão – Onde será que vamos parar…
Neste artigo você entendeu um pouco mais sobre tecnologia aplicada à paisagem sonora e à governança. Estamos muito incipientes no desenvolvimento de tecnologias que sejam realmente impactantes em grandes populações, e muito provavelmente essas iniciativas que permitem que diversos usuários alimentem o sistema de forma gratuita pode vir a ser promissora. Esses bancos de dados imensos, também chamados de Big Data, nos permitem gerar aprendizado de máquina (Machine Learning) e com isso introduzir inteligência à análise dos resultados. Bancos de dados vivos baseados em multiplos sensores acústicos em tempo real podem ser uma fronteira ainda distante aos nossos olhos, mas são a evolução dos mapas bidimensionais atuais que são um retrato estático de nossa realidade passada. Ainda entendemos pouco sobre a criação e interpretação destes mapas simples, imagine dos complexos com duas dimensões extras.
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