Qual tipo de revestimento acústico escolher?
Para incorporar o conforto acústico ao seu projeto, é necessário empregar materiais cujas propriedades acústicas sejam capazes de isolar o som dos ruídos aéreos externos ou ruídos entre ambientes internos que também podem ser aéreos ou de impacto. Além disso, os materiais acústicos precisam proporcionar qualidade sonora aos usuários da sala em termos de conforto. Este último tem por finalidade o equilíbrio das propriedades sonoras dos materiais e dispositivos acústicos aplicados para determinação do tempo de reverberação (T60) e qualificação da sala segundo diversos outros parâmetros técnicos mais complexos. Quer saber mais sobre os parâmetros objetivos e subjetivos utilizados para qualificação de salas? Leia o artigo “Qualificação acústica de salas”, publicado no blog do Portal Acústica em 4 de fevereiro de 2019.
Neste artigo vamos abordar com mais detalhes os tipos de revestimento com propriedades acústicas que podem ser aplicados em ambientes com diversas finalidades de uso. Inicialmente, vamos falar de um assunto que nós abordamos em outros artigos do Portal, mas é sempre bom lembrar: Como o comportamento sonoro em recintos fechados é influenciado pelas características geométricas e pelos materiais do ambiente?
O campo sonoro de uma sala é composto pelo som direto, pelas primeiras reflexões (early reflections) e reflexões tardias (late reflections) que formam o campo reverberante, sendo estes componentes variáveis em função do tempo e da frequência. O som direto chega da fonte ao receptor diretamente por via aérea, não sendo influenciado pelas propriedades de absorção e reflexão sonora das superfícies da sala. Já o campo reverberante, é composto por sons que atingem o receptor após as múltiplas reflexões nas superfícies da sala e de ângulos de incidência diversos.
Podemos dizer, então, que a onda sonora incidente em um material ou dispositivo acústico tem seu comportamento influenciado pela geometria e propriedades de reflexão, absorção e difusão sonora do mesmo. A definição das características do campo sonoro e a especificação das propriedades do revestimento acústico parte da expertise do consultor acústico. Desta forma, o som pode ser projetado a partir de medições prévias ou baseado em simulações computacionais de baixa ou alta fidelidade.
Nós explicamos os conceitos de reflexão, absorção e difusão no artigo “Caixa de ovo acústica: verdade ou mito?”, publicado no blog do Portal Acústica dia 1 de abril de 2019, que vale a leitura…
Mas não custa relembrar:
A reflexão ocorre quando parte da onda sonora incidente na superfície de revestimento acústico retorna para o ambiente de origem de forma especular (com mesmo ângulo de incidência em relação à normal). O quanto de energia se perde neste choque da onda sonora com o revestimento acústico varia em função da capacidade de reflexão do material. E o coeficiente que mede o quanto de energia se perde é o coeficiente de absorção sonora (α). Os coeficientes de absorção “α” podem ser medidos ou avaliados em bandas de frequência e seus valores variam na escala de 0 a 1. Quando o material apresenta um coeficiente de absorção igual a 1 para determinada frequência (por exemplo, α = 1 na frequência de 500Hz), significa que para esta frequência a absorção sonora é máxima. Do contrário, se o coeficiente α é baixo, a reflexão sonora será maior. Veja abaixo a diferença dos coeficientes de absorção α de um material reflexivo (parede de alvenaria pintada) e de um típico revestimento acústico de absorção:
Tabela 1: Coeficientes de absorção sonora (α) em função das frequências
125Hz | 250Hz | 500Hz | 1kHz | 2kHz | 4kHz | Fonte | |
Parede de alvenaria pintada | 0,01 | 0,01 | 0,02 | 0,02 | 0,02 | 0,02 | Elementos de Acústica Arquitetônica (Conrado Silva de Marco) |
Prisma Decor | 0,66 | 0,72 | 0,66 | 0,84 | 0,91 | 0,90 | Catálogo ISOVER |
Como podemos ver, os coeficientes do Prisma Decor são muito maiores, aproximando-se de 1 para as frequências mais altas (2kHz e 4kHz), enquanto os coeficientes de absorção da parede de alvenaria pintada aproximam-se de zero para todas as frequências. Observe que esses resultados são obtidos em campo difuso, com incidência aleatória das ondas sonoras no material, mas podem também ser obtidos em campo direto com incidência normal à superfície. Há pequenas diferenças destes valores em relação à incidência, se tratamos de materiais porosos. Mas para materiais resonantes e outras configurações de metamateriais, pode ser obtido valores bem distintos entre métodos de medição variando o campo sonoro. Cabe também salientar que alguns materiais são mais espessos e a sua espessura pode influenciar os resultados de absorção sonora medidos em câmara difusa (câmara anecoica). Com isso, os materiais de revestimento acústico podem apresentar coeficientes de absorção maiores que a unidade, mas isso é uma questão técnica de falha do método utilizado para obter o parâmetro (α).
Quais são os materiais de absorção sonora?
Os materiais de absorção podem ser porosos (em sua maioria, espumas e lãs minerais), constituídos por cavidades internas, ou poros, nos quais a energia sonora é convertida em calor, resultando na perda de energia da onda sonora incidente sobre o material. Os painéis de absorção também podem ser ressonadores (ressonadores de Helmholtz ou absorvedores de membrana).
Vejamos alguns exemplos abaixo:
Espuma acústica perfilada
Este material poroso utiliza o princípio das cunhas anecóicas para multiplicar a área de absorção, possuindo elevada absorção acústica. A geometria de sua superfície possibilita um ótimo condicionamento acústico pelo aumento da área efetiva de absorção sonora. A placa acústica SONEX illtec da empresa OWA, por exemplo, é uma placa com estrutura micro-celular, semi-rígida, com densidade 11 kg/m3, e alta resistência ao fogo. A distribuição deste tipo de material no ambiente, seja em superfícies de teto ou paredes, tem por finalidade o controle da reflexão sonora, sendo sua propriedade de absorção sonora variável em função das diferentes espessuras.
Espuma acústica plana
A espuma acústica de superfície lisa é um revestimento acústico poroso que pode ser aplicado em ambientes onde seja necessário diminuir o ruído, as reflexões internas e melhorar o conforto acústico. Um exemplo de espuma acústica plana é o revestimento Sonique, da empresa Vibrasom, fabricado em poliuretano de poliéter, em placas modulares de 62,5 por 62,5 cm. O material apresenta leveza e facilidade de aplicação, podendo ser facilmente aplicado em superfícies planas. O acabamento deve ser feito por empresa especializada que sabe realizar os cortes de maneira esteticamente interessante e também evitando perda do material. O material é fabricado com uma camada de espuma anti-chama e pode ter uma manta isolante intermediária, atendendo a um melhor desempenho acústico, especialmente em termos do isolamento sonoro. Mas para obter-se bom isolamento acústico, esse material em geral é combinado com um sistema construtivo eficiente que vai além de uma aplicação de revestimento nas paredes ou teto interno. As possíveis aplicações do material são: salas de home theater, home studio, estúdios de ensaios/gravações musicais, estúdios de rádio/TV, auditórios, call centers, casas de máquinas, teatros, cinemas, restaurantes, consultórios, salas de reuniões, dentre outros.
Baffles de teto
Frequentemente falamos dos baffles de teto no Portal. Podem ser considerados materiais de revestimento, dispensando muitas vezes o uso de forros acústicos, sendo fixados diretamente na laje. São soluções eficientes para absorção sonora, sendo geralmente utilizadas várias unidades modulares de baffles para formar uma área de absorção eficaz. A quantidade de material varia de acordo com a dimensão do local e intensidade sonora gerada no interior do ambiente, áreas de maior ruído e outros elementos presentes na sala e que absorvem o som. Ao serem instalados perpendicularmente à superfície do teto, os baffles proporcionam uma maior área disponível para absorção sonora, quando em comparação com sistemas de forro convencionais, dispostos horizontalmente e com somente um lado do material acústico exposto ao som.
Os baffles são geralmente aplicados em ambientes de grande dimensão e pé-direito, como aeroportos, instalações industriais, auditórios, teatros, dentre outros. Este sistema também apresenta grande vantagem como elemento decorativo, podendo ter seu formato e cores personalizados.
Fonte: https://www.armstrongceilings.com/commercial/en-au/commercial-ceilings-walls/baffle-ceilings.html
Nuvens acústicas
Painéis tipo nuvem, assim como os baffles de teto, podem ser utilizados para aumento da área de absorção no ambiente, uma vez que as nuvens podem ser sobrepostas umas às outras. Além de possuírem duas faces disponíveis para absorção, diferentemente dos forros convencionais, as nuvens se bem espaçadas otimizam a quantidade de material necessário para se chegar ao mesmo resultado acústico. São painéis acústicos compostos por lã mineral ou sintética revestidas em tecido, ou ainda pelos materiais porosos já abordados antes. As nuvens são geralmente utilizadas em ambientes de grandes volumes e com pé-direito elevado, ficando suspensas a partir da fixação de tirantes na laje ou no forro. São sistemas elegantes, agregando valor estético ao ambiente, por esse motivo são mais caros que revestimentos de parede ou de forro convencionais. Este produto está disponível em diversos formatos e cores, sendo possível a customização de estampas e texturas conforme a preferência.
Fonte: https://www.archiproducts.com/en/products/rockfon/acoustic-ceiling-clouds-rockfon-eclipse_27982
Painéis ressonadores de Helmholtz
Fonte: http://www.woodfitacoustics.com/project/bbva-auditorium/
O ressonador de Helmholtz é um sistema absorvedor capaz de dissipar energia para frequências específicas e projetáveis, em geral médias frequências. Este comportamento ocorre em função das características geométricas do sistema, sendo fundamentais na definição do seu dimensionamento.
Hermann Ludwing Ferdinand von Helmholtz (1821-1894) foi capaz de estimar a energia para frequências específicas por meio da intensidade sonora em diferentes ressonadores: inicialmente, objetos esféricos, de tamanho graduado, com um pescoço e um buraco para aproximar ao ouvido e avaliar as experiências.
O sistema consiste em pequenas aberturas em uma superfície externa (em contato com o ambiente), que está conectada com uma quantidade de ar confinada em uma cavidade interna. O sistema ressonador está representado na Figura 1, e a frequência de oscilação do ar nos ressonadores de Helmholtz pode ser representada pela Equação 1 [1]:
onde f é a frequência de ressonância do ressonador [Hz], a é a área do gargalo [m2], l é o comprimento do gargalo [m], V é o volume do ressoador [m3], c é a velocidade do som no ar [m/s].
Quando o ar interior desses ressonadores entra em vibração para certa frequência de ressonância (vibração ressonante), ocorre a dissipação energia a partir da conversão da energia sonora em calor, resultando na absorção sonora. O aspecto dos painéis adequa-os perfeitamente aos mais variados ambientes: painéis de madeira, perfurados ou micro perfurados, podendo ser aplicados em auditórios, escritórios, restaurantes e outros.
Confira mais detalhes no artigo que publicamos no blog do Portal Acústica: “Material acústico projetável – Ressonador de Helmholtz” publicado no dia 12 de março de 2018.
Painéis absorvedores de membrana
O absorvedor de membrana se enquadra na categoria dos ressonadores, tal como o absorvedor de Helmholtz, sendo um sistema eficiente nas baixas frequências. Os absorvedores tipo membrana são sistemas compostos por uma cavidade interna de ar fechada, parcialmente preenchida com material poroso e lacrada por uma superfície flexível (membrana) que vibra sobre o colchão de ar sob a ação das ondas sonoras. A densidade superficial da membrana (kg/m²) funciona como uma “massa” enquanto a mola é proporcionada pelo volume de ar comprimido na cavidade. Combinadas essas duas características de massa e mola dão a frequência de ressonância do absorvedor membranoso. A absorção sonora é resultante da pressão acústica incidente na membrana flexível, que por sua vez comprime o ar enclausurado na cavidade e dissipa a energia em vibração e depois em calor.
Difusores acústicos
Outro comportamento influenciado pelas superfícies e materiais de revestimento em um ambiente é a difusão sonora. A difusão ocorre quando a onda incidente em uma superfície é refletida para o ambiente de origem e redirecionada para uma melhor distribuição sonora. O “espalhamento acústico” e o efeito de ampliação sonora proporcionados são possíveis a partir das superfícies dos difusores, geralmente anguladas e articuladas com forma irregular (arredondadas, triangulares, cilíndricas ou esféricas).
Painéis difusores têm por objetivo a fragmentação controlada da frente de onda incidente, gerando um campo sonoro difuso. Atuam como obstáculos irregulares no trajeto das ondas sonoras, criando uma espécie de “caos controlado” no ambiente. Podemos entender essa ideia melhor ao imaginarmos o som incidente em uma superfície plana e o som incidente em uma superfície irregular: na primeira, o som bate e volta com o mesmo ângulo. Na segunda, o som bate e volta em diferentes direções, espalhando-se para todos os lados. Nas Figuras 2 e 3 estão ilustradas estas diferenças.
Figura 2: Ondas sonoras incidindo sobre uma superfície plana
Figura 3: Ondas sonoras incidindo sobre superfícies irregulares
Fonte: https://flypaper.soundfly.com/produce/how-to-build-an-acoustic-diffuser/
Painéis de lã mineral ou de PET com revestimento em véu preto
Geralmente a lã mineral ou de PET é utilizada para preenchimento de paredes em Drywall, sistemas de forro rebaixado, e outros sistemas nos quais se deseja um melhor desempenho acústico ao atuar na cavidade reduzindo as resonâncias e com isso isolando melhor o som. A lã pode ser utilizada igualmente como material de revestimento em paredes e tetos de salas técnicas, como casas de máquinas e casas de elevadores. Nestes casos, os painéis comercializados consistem geralmente em uma camada de lã mineral revestida com véu de vidro na cor branca ou preta, ou no caso da Lã de PET ela pode ter densidades diferentes e pinturas também. Tratam-se de placas com propriedades acústicas, de fácil instalação, podendo ser utilizadas em tetos e paredes, e instaladas sobre sistema modular de perfis metálicos, sendo que em geral a face com o véu de vidro preto ou a PET preta apresenta maior absorção sonora.
Figura 4: Painel de lã mineral revestida em véu de vidro
Fonte: https://www.e-sfic.fr/etancheite/panneau-acoustished-ec43-de-couleur-noir-longueur-1500-mm-largeur-A6505014
Harmonia com o projeto de arquitetura
Todos os materiais de revestimento acústico podem ser adaptados ao projeto de forma harmoniosa ao projeto de arquitetura. A ideia é que a acústica seja incorporada no projeto de arquitetura, de forma que seja quase “despercebida”. Essa incorporação é possível tendo em vista a enorme quantidade de produtos, materiais e dispositivos acústicos disponíveis no mercado, muitos deles podendo ser customizados. É sempre bom lembrar: para que o projeto de acústica esteja em harmonia com a arquitetura, é importante que os dois caminhem juntos, ou seja, que o projeto complementar de acústica dialogue com o projeto de arquitetura desde a etapa do projeto preliminar.
Referências
[1] Henrique, L. L. Acústica Musical. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002. 1130p
Com o aumento de veículos, transporte público e população, somando a falta de conhecimento dos engenheiros nas construções atuais, há a necessidade de complementos para redução dos ryídos e dar mais conforto ao proprietário do imóvel em seu ambiente de trabalho ou particular (casa ou apto/dormitório).
Muito bem colocado Mário Ferreira, e não é só questão de conforto não, viu? Quando falamos de redução de ruídos, a saúde é um fator muito importante. Existem diversos estudos que relacionam a poluição sonora com doenças físicas e mentais (confira essa matéria do senado https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/poluicao-sonora-prejudica-a-saude-e-preocupa-especialistas/poluicao-sonora-prejudica-a-saude-e-preocupa-especialistas). Estamos buscando conscientizar todos sobre acústica e sua importância tanto no conforto individual quanto na saúde do coletivo espalhando o conhecimento para a população e capacitando os profissionais atuantes. Obrigado pela sua contribuição.
Atenciosamente, Sidney Volney Cândido, monitor do Portal Acústica.